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Imprensa e eleições, uma entrevista de Ricardo Kotscho

Em entrevista à BBC Brasil, o jornalista Ricardo Kotscho, que foi assessor de imprensa de Lula, comentou o clima de beligerância das atuais eleições, a estratégia de boatos desenvolvida pelo PSDB e o papel partidário que alguns grandes veículos de comunicação estão tomando.
BBC Brasil - Nós estamos falando do confronto entre governo e mídia, mas precisamos pensar que existe também um público. E, aparentemente, os efeitos desse embate não estão sendo sentidos com grande força, em termos de pesquisa de opinião. Como fica o público no meio desse confronto?
Kotscho - Essa é a questão central, que acho que explica o que está acontecendo. A mídia está se sentindo derrotada, não é o José Serra que está perdendo. No começo, faziam matérias mais simpáticas ao Serra, mais críticas a Dilma, mas dentro da "margem de erro", vamos dizer assim. De uns tempos para cá, não. É matéria sobre o passado da Dilma, sobre os antepassados búlgaros. Eu acho que eles não aceitam mais uma derrota. E como é que fica o freguês? O eleitor, o consumidor de informação, o leitor? Eu acho que eles não pensaram nisso.
A guerra é tão insana, atingiu um estágio tão forte, tão dramático, que as pessoas não estão mais acreditando. As pessoas não acreditam mais no que diz o Jornal Nacional, a TV Globo, a Veja. As pessoas estão deixando de assinar revistas e jornais, recebo muitos comentários aqui no meu blog falando isso. É preciso ouvir o que pensa o público.
BBC Brasil - O senhor fala de clima de beligerância e de confrontos, mas todo esse imbróglio emana de denúncias, de fatos que foram verificados, não foram desmentidos, e que culminaram com a renúncia da ministra-chefe da Casa Civil, Erenice Guerra, e de outras figuras do governo. Então perguntamos, o papel da mídia, diante desses fatos, não é o de reportar em interesse do público, de fazer essas denúncias?
Kotscho - O papel da imprensa é reportar o que se sabe. O que é estranho é que é muita coincidência. Os fatos noticiados não são de agora. O caso do sigilo fiscal já vem de bastante tempo, do ano passado. Mesmo as denúncias da Casa Civil não são da semana passada. O que é estranho é que é muito planejamento. A Veja deu três capas seguidas com denúncias. A história do sigilo fiscal não teve efeito na pesquisa. Mas essas denúncias (sobre a Casa Civil), segundo o Datafolha, começam a fazer. Se esses problemas existem mesmo, e não estou negando que existam problemas no governo, por que só agora apareceram, por que só agora foram denunciados? Será que foram mesmo os repórteres dos veículos que levantaram essas histórias ou não haveria aí uma central de escândalos, de denúncias?
Tudo o que foi denunciado é questão de polícia, tem que demitir, prender, processar. Agora, a consequência eleitoral de tudo isso, isso tudo vir à tona agora, a poucos dias da eleição... Não tenho provas, mas é estranho que isso aconteça agora.
BBC Brasil - Mas a despeito do momento em que isso está sendo publicado, o senhor acha que há uma outra opção? Qual seria a saída? Não denunciar?
Kotscho - Primeiro, denunciar. Quanto a isso, nenhuma discussão. Todo fato conhecido deve ser publicado. Mas durante uma semana, o jornal Folha de S. Paulo publicou reportagens sobre o passado da Dilma, sobre o sujeito que fez campana na casa dela em Porto Alegre, sobre seus antepassados búlgaros, problemas que ela teve quando foi secretária (de Energia, Minas e Comunicação) em 1994... Então eu pergunto o seguinte: os outros candidatos não têm passado? A população não tem direito de conhecer a história do José Serra, da Marina Silva? Não saiu uma matéria sobre isso. A imprensa tem que mostrar sempre os dois lados.
BBC Brasil - Na sua opinião, há como dizer que a imprensa está extrapolando seu papel de fiscalização, controle, porque ela desagrada e confronta o governo? Onde e quando pode, se isso é possível, se decidir que a imprensa deixou de servir como uma salvaguarda da democracia?
Kotscho - Tudo depende do momento histórico, da circunstância. Essa mesma mídia da qual estamos falando hoje, sem exceção, apoiou o golpe de 1964. Apoiou não só em editoriais, mas com alguns de seus dirigentes participando de reuniões que levaram ao golpe. São as mesmas empresas de 1964. Em 1968, houve uma divisão, porque oEstado de São Paulo, que foi um dos jornais mais entusiastas do golpe, rompeu com os militares e partiu para a resistência, não aceitou a censura. Os outros aceitaram a censura passivamente até o fim. A Veja na época também não aceitou.
A imprensa teve um importante papel no final da ditadura, mostrando o movimento social, que estava crescendo. Mas não podemos esquecer que, em 1984, houve um momento muito importante no Brasil, que foi a campanha pelas Diretas. Para se ver que a história não é linear, e que não dá para se falar da imprensa brasileira, porque varia de um momento para outro. No começo, o único jornal que cobria a campanha pelas Diretas era a Folha, onde por acaso eu trabalhava. Os outros eram contra. E só entraram aos poucos, à medida que a população foi crescendo nas ruas, quando já não dava mais para ignorar.
Então não dá para se ter uma visão da imprensa como uma coisa monolítica, ela vai muito ao sabor dos seus interesses, das circunstâncias políticas do país.
BBC Brasil - Existe, na sua opinião, uma relação ideal entre mídia e governo?
Kotscho - Não existe, é impossível. Em nenhuma época, em nenhum país do mundo. Governo e imprensa são inconciliáveis, têm um tempo diferente, uma natureza diferente. 

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