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Um novo Marshall McLuhan?

Reproduzo entrevista dada por Henry Jenkins à jornalista Camila Hessel e publicada na revista Época Negócios.
O professor Henry Jenkins, do MIT, é freqüentemente comparado ao canadense que dedicou a vida ao estudo da comunicação e que cunhou a famosa expressão “o meio é a mensagem”. Jenkins, um americano nascido em Atlanta, fundou o programa de estudos de mídia comparada do MIT, que se dedica à pesquisa dos fenômenos envolvidos no processo de convergência entre os novos meios de comunicação e os meios tradicionais. Seu livro sobre o tema – Cultura da Convergência – foi publicado no Brasil pela Editora Aleph em outubro. A seguir, confira a íntegra da entrevista concedida a Época Negócios, em que Jenkins fala sobre o livro e também sobre os principais desafios para os conglomerados de comunicação, como os blogs, as redes sociais e a pirataria. 
O senhor poderia explicar a idéia central do seu livro, Cultura da Convergência?
Henry Jenkins - Quando a maioria das pessoas da indústria de mídia fala de convergência, o discurso envereda pelo lado tecnológico: qual caixa preta irá controlar o fluxo de mídia no futuro? Então, eles falam em aparelhos que promovem a convergência, tal como o iPhone, capaz de executar muitas funções de mídia diferentes — como exibir filmes, reproduzir música, acessar a internet... Em certa medida, caminhamos em direção a uma maior integração entre as diversas mídias, se pensarmos somente em plataformas ou aparelhos. Mas nós também vemos que a mídia opera cada vez mais como um sistema cultural, em que cada história, imagem, som ou relacionamento é transmitido pelo maior número possível de canais de mídia. E a decisão sobre o uso de cada um desses canais é tomada tanto nos quartos dos adolescentes quanto nas salas de reunião dos conselhos de administração das grandes empresas do setor. Com isso, quero dizer que a convergência é promovida em igual medida pela integração das companhias de mídia, por seu desejo de explorar sinergias entre as diferentes divisões, pelo desejo dos consumidores de ter acesso ao conteúdo que querem, onde, quando e no formato que eles considerarem melhor e por sua determinação em adquirir esse conteúdo ilegalmente, caso ele não seja disponibilizado. Isso é a “cultura da convergência”.
Quais são os principais desafios que essa cultura coloca para os conglomerados de comunicação? 
Jenkins - Nesse cenário, as pessoas tomaram a mídia em suas próprias mãos e passaram a explorar elas mesmas novas ferramentas e plataformas que lhes permitam criar e veicular os seus próprios conteúdos. Por trás da cultura da convergência, está uma outra: a participativa. Vemos essa cultura participativa emergir em torno do YouTube, onde boa parte do conteúdo realmente interessante é gerado por amadores. Vemos essa cultura também no Second Life, onde as diferentes comunidades de consumidores estão construindo um mundo a partir de suas próprias imaginações. Num mundo de comunicações em rede como o nosso, a cultura participativa impacta a maneira como o conhecimento é produzido e distribuído. Hoje, como nos disse (o filósofo da comunicação) Pierre Levy, todo mundo sabe alguma coisa, ninguém sabe tudo e qualquer coisa que alguém saiba está disponível a qualquer hora para qualquer um que tiver interesse. Essa é a essência da inteligência coletiva, e podemos vê-la em exercício em lugares como a Wikipedia, onde as pessoas com as mais diversas especializações compartilham e examinam o conhecimento em conjunto para produzir um trabalho de referência maior e mais rico do que qualquer indivíduo seria capaz de imaginar sozinho. O maior desafio ainda está em curso: é negociar os termos dessa participação.
O senhor pode nos dar exemplos? 
Jenkins – A publicidade nos blogs. Há tanto que não sabemos a respeito dessa questão! Enquanto os blogueiros se posicionarem como vozes independentes que oferecem uma alternativa aos veículos de mídia padrão, haverá um grande potencial de conflitos de interesse, uma vez que eles atraem os mesmos anunciantes que os veículos tradicionais. No mundo do jornalismo impresso, vimos que esse tipo de tensão rebaixou o papel dos jornais alternativos na sociedade americana. Poucos dos tablóides locais que surgiram em profusão nas décadas de 1960 e 1970 sobreviveram. Os que ainda existem são politicamente mudos e seu foco é quase sempre entretenimento ou a programação cultural local, como é o caso do Village Voice de Nova York, do Creative Loafing de Atlanta e do Boston Phoenix. Eu odiaria ver o mesmo acontecendo com os blogs. Por outro lado, não está claro por quanto tempo mais os blogs irão se sustentar à base de trabalho voluntário. É possível que os patrocinadores (e também os leitores, por que não?) queiram dar suporte financeiro aos blogueiros mais visionários e talentosos para que eles possam se dedicar integralmente a rastrear e a comentar histórias. O modelo de negócios que irá sustentar os blogs depois que a primeira onda de excitação e paixão começar a diminuir ainda não está claro. Produzir conteúdo uma semana atrás da outra é um trabalho duro. Talvez não precisemos que os blogueiros se transformem em profissionais em período integral, mas eles precisam ter um meio de integrar a produção de conteúdo em suas vidas profissionais e receber incentivos para prosseguir com o difícil trabalho de manter uma publicação viva. Eu acho que a busca por incentivos não-econômicos que promovam a participação contínua é uma questão-chave à medida que caminhamos para a nova fase da Web 2.0.
Como blogs e blogueiros se encaixam na cultura participativa? 
Jenkins – A blogosfera se tornou um dos setores de maior visibilidade na cultura participativa, embora ainda exista uma tendência de analisá-la em contraposição ao jornalismo tradicional. Isso é um erro. Na realidade, os blogs dependem profundamente do trabalho que é realizado por jornalistas profissionais. O que os blogueiros fazem é tornar o trabalho dos jornalistas profissionais mais relevante para públicos com interesses específicos diferentes. Como regra geral, os blogs atuam junto a parcelas da população que se sentem mal atendidas pela mídia tradicional. O blogueiro procura por notícias que sejam interessantes para aquela determinada comunidade em uma série de veículos de mídia diferentes, além de produzir conteúdo próprio. Ao fazer isso, ajuda a expandir a circulação de diferentes conteúdos e os situa num contexto específico, mais próximo dos interesses de seus leitores. Um produtor de mídia tradicional seria muito sábio se passasse a olhar os blogs de perto, procurando entender como o veículo de mídia para o qual trabalha deixa de atender às necessidades e aos anseios de diferentes segmentos de público. A partir dos blogs este produtor poderia mapear os interesses de potenciais consumidores e conhecer melhor que opiniões eles têm a respeito dos programas e do conteúdo produzido hoje.
Como comparar blogs e redes sociais? O senhor acredita que um irá triunfar sobre o outro? 
Jenkins – Eu vejo como um engano o debate a respeito de blogs e redes sociais. Os blogs constroem comunidades em trono de interesses compartilhados. As redes sociais tendem a surgir em torno de personalidades específicas e estabelecem uma ponte entre múltiplas comunidades de interesse. Uma rede social formada pelos meus amigos poderia incluir pessoas de minha comunidade geográfica, de minha vida pessoal, profissional e assim por diante. Eu sou o elo entre essas pessoas e elas alimentam uma ampla rede de comunidades de interesse. Os blogs tendem a nos dividir, enquanto as redes sociais tendem a nos unir.
O senhor entende que a cultura participativa é um dos motores por trás da pirataria? 
Jenkins – Por um lado, os consumidores na cultura da convergência exigem a possibilidade de acessar um conteúdo em múltiplas plataformas. Ninguém quer ser obrigado a assistir um programa de televisão num horário específico, ficando refém da grade de programação da emissora. Há também espectadores que não querem ficar trancados do lado de fora de uma série que eles descobriram no meio da temporada. Eles querem acesso aos episódios anteriores em algum lugar que lhes permita acompanhar o programa no seu próprio ritmo, assistindo a todos os episódios de uma só vez ou em intervalos de tempo determinado, seja na internet ou no iPod. Ninguém quer esperar seis meses ou um ano para assistir a um programa estrangeiro cuja distribuição ainda não foi negociada por uma rede em seu país. Eu quero assisti-lo agora para poder participar da discussão internacional. E, como é possível ter acesso a esse programa de maneira ilegal, ninguém vai esperar que ele passe a ser oferecido legalmente. Há cada vez mais consumidores com interesses específicos em busca de determinados conteúdos que talvez nunca sejam oferecidos comercialmente em seu país — seja um anime japonês, uma comédia australiana ou uma telenovela latino-americana.
Que estratégias as empresas de mídia podem adotar para atender a essas novas necessidades?
Jenkins – Uma delas é oferecer sua programação online, num modelo de negócios similar ao do iTunes, em que os usuários de iPod adquirem músicas e vídeos. Uma série de TV pode ser comprada no site e assistida da maneira que o consumidor considerar melhor, talvez até mesmo de uma tacada só. Mas alguns produtores têm ido além e exploram as diversas plataformas de mídia não apenas para transmitir o conteúdo da TV, mas também para expandir a experiência de entretenimento. Séries como Heroes e Lost ampliaram sua presença na vida do espectador por meio de jogos interativos oferecidos na internet (os ARG – alternative reality games), mini-episódios montados especialmente para veiculação em telefones celulares (os mobisodes) ou mesmo de histórias em quadrinhos online. Os fãs de um determinado programa querem ir mais longe, eles esperam encontrar na internet muito mais do que vêem na televisão. Eles querem sentir que têm acesso a informações antes só disponíveis para os envolvidos na produção do programa, como detalhes de bastidores e histórias adicionais sobre os personagens e o universo em que vivem. Essas novas plataformas podem atrair novos consumidores, que gostem mais de jogos do que de séries de TV, por exemplo. Eles podem se interessar pelo programa e por outros conteúdos relacionados simplesmente porque gostaram do jogo colocado na internet.
Como a participação dos fãs influencia o processo de convergência de mídia? 
Jenkins – Os fãs têm uma série de funções importantes para qualquer tipo de mídia. Eles ajudam a remodelar a cultura pop. No nível mais básico, eles são os consumidores mais dedicados, o que tem grande importância numa era de incerteza quanto à fidelidade do consumidor. Os fãs são os que possivelmente irão assistir a todos os episódios, procurar conteúdo adicional online, interagir mais freqüentemente com a marca e, fatalmente, transformar sua paixão por um programa em compras de produtos relacionados. Eles também são melhor informados e mais propensos a fazer propaganda boca a boca, angariando novos espectadores e ampliando a sua visibilidade. Mas, em muitos casos, os fãs mais ardorosos não passam de uma audiência adicional. Isso porque o seu perfil não se encaixa no do espectador tradicional: são mulheres fãs de série de ação e aventura, adultos que gostam de programas infantis ou mesmo homens que seguem novelas, para usar alguns exemplos. Em minhas pesquisas, levantei casos em que fãs foram fontes-chave de inovação e de criação de novas experiências. Eles pensavam em conteúdos que poderiam levar o programa a conquistar públicos mais amplos ou sugeriram novas interfaces entre os produtores e os consumidores. E, claro, na era das comunicações em rede, fãs que sejam alienados do processo de produção de conteúdo podem se tornar os seus críticos mais ácidos e efetivamente prejudicar um determinado programa, marcas afiliadas e até mesmo a emissora ou distribuidora. É por isso que eu digo que os fãs precisam ser cuidadosamente cortejados e ter seus desejos bem atendidos. Historicamente, produtores se prejudicaram muito mais ao declarar guerra aos fãs do que ao respeitar seus gostos e premiar sua criatividade e sua postura crítica.
Em seu artigo "Convergence?I Diverge" (Convergência? Eu Divirjo”), de 2001, o senhor diz que nenhum meio irá vencer a batalha da convergência. Desde então, muitas novas mídias e tecnologias se desenvolveram e popularizaram. Elas tiveram algum impacto na sua maneira de encarar o tema?
Jenkins – Não. Pensemos o ambiente de mídia como um ecossistema. Quando uma nova mídia aparece, ela certamente tem um impacto sobre as já existentes. Mas a história nos mostra que pouquíssimas foram as mídias que efetivamente morreram. Os mecanismos de transmissão vão e vêm, mas a mídia em sua definição mais ampla sobrevive. Tomemos como exemplo de mídia a gravação de som. Ela continua presente em nossa cultura independentemente de ser transmitida via cilindros de cera, discos de vinil, fitas cassete ou arquivos de MP3. Uma nova mídia pode empurrar uma antiga para o papel de coadjuvante, ou alterar seu modelo econômico ou mesmo alterar suas funções. O rádio passou a operar de uma nova maneira depois do surgimento da televisão, mas nós ainda contamos com ele para funções de comunicação extremamente importantes.
Na última década, nós assistimos ao crescimento dos aparelhos de comunicação portáteis. Eles representam um novo canal de transmissão para mídias que já existiam – como som, vídeo ou telecomunicações. Por um lado, esses aparelhos nos permitem interagir de novas maneiras com essas mídias e a integrá-las em novos contextos do nosso dia-a-dia. Surpreendentemente, poucas tecnologias portáteis exploram em profundidade as propriedades básicas dessa mídia emergente – como a mobilidade e a adequação aos diversos novos contextos em que o conteúdo será usufruído.
Historicamente, as primeiras aplicações de uma nova tecnologia ou plataforma se apóiam na continuidade de tecnologias antigas, transportando funções antigas para novos aparelhos ou explorando o componente de novidade dessa nova tecnologia. Mas, à medida que os usuários se familiarizam com a nova tecnologia, eles começam a realmente entender o seu potencial. E isso leva a uma nova transformação. Eu acho que esse processo está apenas começando a acontecer com os telefones celulares, por exemplo.
Algumas empresas investem em projetos para ampliar as situações de uso de seus aparelhos, como a Microsoft, que quer colocar o seu console de videogame Xbox “no centro da sala de TV”, adaptando-o para ser um DVD player. Como essas estratégias afetam a evolução da convergência? Elas alimentam a crença de que um meio pode morrer?
Jenkins – Aqui é preciso diferenciar um meio de comunicação de um meio de transmissão. A guerra entre as plataformas de vídeo game é uma batalha de meios de transmissão. E nela é inevitável que existam ganhadores e perdedores. Mas, independente disso, nós iremos jogar vdeogame, assistir filmes e falar ao telefone. E eu estou convencido de que não iremos ver um único vencedor nessa batalha por que, como consumidores, nós queremos flexibilidade. Nós preferimos expandir nossas opções no lugar de restringi-las. Então, você pode preferir utilizar o seu console de vídeo game para ver filmes e jogar enquanto eu prefiro fazer essas coisas no meu iPhone. Nós vamos ver cada vez mais divergências quanto ao uso de uma determinada tecnologia, mas elas importarão pouco porque os sistemas de comunicação estarão completamente integrados e o conteúdo irá fluir livremente pelos mais diversos meios de transmissão.

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