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As perspectivas políticas no pós-Lula

Reproduzo artigo de Altamiro Borges, publicado originalmente no sseu blog.
As perspectivas políticas no pós-Lula
Altamiro Borges
A eleição de Dilma Rousseff abre novos horizontes para o enfrentamento dos graves problemas brasileiros. Permite uma pauta positiva, com a intensificação das lutas por mudanças profundas no país. Caso José Serra fosse vitorioso, o Brasil retrocederia e forçaria uma agenda defensiva e reativa dos trabalhadores, contra a retomada das privatizações, a destruição dos programas sociais, a criminalização dos movimentos populares e o realinhamento colonizado aos EUA. 
A vitória de Dilma garante um cenário mais favorável à luta por reformas estruturais no país. Ela mantém o ciclo político aberto pelo presidente Lula, garantindo a sua continuidade, mas sinaliza com novos avanços. Além disso, ela fortalece o pólo progressista na América Latina e dá novo impulso à integração regional soberana. Não é para menos que todos os governantes de esquerda do continente saudaram a nova presidenta. A sua vitória permite avançar na construção de uma América Latina liberta das garras do império, com soberania, desenvolvimento e justiça social. 
Enterrar o tripé neoliberal
De imediato, a presidenta Dilma Rousseff terá de enfrentar os gargalos impostos pela política macroeconômica de viés neoliberal. Em função da correlação de forças e de convicções pessoais, ela não foi totalmente superada pelo governo Lula, que manteve o seu tripé da política monetária de juros elevados; da política fiscal de contração dos investimentos; e da política cambial de total libertinagem financeira. Este último aspecto já dá sinais de alerta. 
Os EUA tentam escapar do seu colapso através da guerra cambial. Ao desvalorizar o dólar, eles jogam o ônus da crise para os países da periferia que ficam com as suas moedas artificialmente valorizadas. No caso do real, isto diminui as exportações, gerando quebradeira nas indústrias e desemprego, e aumenta as importações, causando o perigoso déficit na balança comercial. Nas primeiras entrevistas como presidenta eleita, Dilma Rousseff já manifestou temor diante deste cenário. Mas o governo insiste em manter a atual política cambial. 
Da mesma forma, a equipe de transição não dá sinais de que irá alterar a política monetária, que faz o país continuar no vergonhoso topo das maiores taxas de juros do planeta, nem a política fiscal, que trava novos investimentos em infraestrutura e nos programas sociais. A luta contra este tripé neoliberal ainda está na ordem-do-dia. O corte drástico dos juros, a redução do superávit e a mudança na política cambial permitiriam um crescimento econômico mais robusto, com o aumento da produção e do consumo e, conseqüentemente, do emprego e da renda salarial. 
O que fez o Brasil se safar mais rapidamente da crise mundial do ano passado foi exatamente a queda gradual dos juros e do superávit. Não há mais porque manter este tripé perverso, que serve somente aos banqueiros e rentistas em detrimento da produção e da geração de emprego e renda. 
Urgência das reformas estruturais
Do ponto de vista mais estratégico, a presidenta Dilma Rousseff precisará enfrentar os graves problemas estruturais que travam o país. Urge promover profundas reformas no Brasil. Seis delas se destacam na atualidade e as urnas inclusive ajudaram a desvendá-las. No campo social, o país necessita das reformas agrária, urbana e educacional. 
A eleição mostrou que a concentração das terras nas mãos dos latifundiários, muitos travestidos de modernos barões do agronegócio, não combina com democracia. Apesar de o governo Lula ter cedido aos ruralistas, com anistia das dívidas e fartos subsídios, eles votaram em peso nos demotucanos. A reforma agrária permitiria assentar mais de 100 mil famílias hoje acampadas em condições desumanas, elevaria a produção de alimentos para a mesa dos brasileiros e geraria mais empregos no campo. 
Já a reforma urbana é indispensável para enfrentar os caos nas cidades. Apesar dos avanços da fase recente, são graves os problemas nos centros urbanos: falta de saneamento básico, péssima qualidade da saúde pública, favelas e habitações precárias, colapso no transporte urbano e crise na segurança pública. A reforma urbana significa novas prioridades, com maiores investimentos públicos em áreas que afligem os milhões que vivem nas cidades. Já a reforma educacional é uma exigência do futuro. O Brasil está crescendo e deve despontar com quinta maior economia do planeta. Isto exige cidadãos mais bem formados e capacitados, com o fim do analfabetismo real e funcional, aumento dos anos de escolaridade, multiplicação de universidades. 
Aprofundar a democracia no Brasil
Além destas, o país necessita das reformas política, tributária e da mídia. As eleições mostraram que o sistema político brasileiro é viciado, beneficiando os ricaços e estimulando a corrupção. É preciso garantir mais transparência e democracia nos processos eleitorais, coibindo o poder dos milionários. O financiamento público de campanha e o voto em lista, que fortalece os partidos, são duas medidas urgentes para aperfeiçoar a democracia brasileira. 
Também é urgente coibir o poder da ditadura midiática. Sete famílias hoje dominam os meios de comunicação, manipulando corações e mentes de milhões de brasileiros. Lula e Dilma sentiram o peso deformador da mídia, que hoje é o principal partido político da direita. A reforma da mídia, a exemplo que já foi feito em vários países – inclusive nos EUA e Europa –, permitiria estimular a pluralidade informativa, multiplicar os meios alternativos e comunitários de comunicação e fortalecer o senso crítico da sociedade. 
Por último, até como medida indispensável para garantir novos investimentos, urge realizar uma profunda reforma tributária. Quem paga impostos no Brasil são os trabalhadores. Os ricos são beneficiados pela tributação regressiva e indireta e ainda sonegam. O sistema tributário não é alto; é injusto. Ele penaliza a produção e beneficia especuladores e ricaços. Até nos EUA, país tão paparicado pela elite colonizada, a tributação é menos injusta. A reforma tributária deve taxar grandes fortunas, penalizar sonegadores e aliviar a carga sobre a produção e o trabalho. 
Apostar na politização da sociedade
Como se observa, a presidenta Dilma terá enormes desafios pela frente. Estas e outras mudanças exigirão muita convicção e habilidade política. Elas mexem com interesses poderosos. A direita se reagrupou em torno do demotucano Serra e fez campanha contra qualquer reforma no país. A elite não aceita democratizar a terra, rejeita a “gastança” na reforma urbana, prega uma educação elitista; deseja manter o poder concentrado e manipulador da mídia, quer barrar as mudanças democráticas no sistema político; e pretende reduzir ainda mais os impostos dos ricaços. 
Na campanha eleitoral, a elite esbanjou ódio. Mostrou que está disposta a acirrar o confronto no país, a radicalizar a disputa de projetos para a sociedade. Apesar do jogo sujo, Dilma venceu o pleito presidencial e ainda conquistou maioria no parlamento. Mas não terá uma vida fácil. Até o preconceito machista será usado para enquadrá-la ou, num cenário de maior radicalização, para desestabilizá-la e mesmo derrubá-la. A luta de classes tende a se acirrar no Brasil. 
Mais do que nunca será preciso investir na conscientização, politização e organização do povo brasileiro. Num quadro de acirramento da luta de classes, programas como o Bolsa Família não serão suficientes para manter a rota de mudanças no país. Diante dos riscos, o governo Dilma Rousseff precisará ser mais ousado do que o anterior na politização do povo. 
Mas não dá para esperar passivamente. Os movimentos sociais é que terão o desafio de politizar mais as suas bases e interferir com mais força na luta política no país. Do contrário, a direita neoliberal voltará a ranger os seus dentes – seja nos futuros processos eleitorais ou nas práticas golpistas. O Brasil está numa encruzilhada histórica. Tem tudo para avançar com mais firmeza nas mudanças exigidas pelo sofrido povo brasileiro. Não pode perder esta oportunidade histórica. 

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