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Memórias da Era da Borracha: Capítulo 2 - A queda


Na noite de 28 de agosto de 1912 a cidade de Belém do Grão-Pará foi tomada por uma série de acontecimentos surpreendentes. Situa-se, naquela noite, uma chuva de proporções tão gigantescas, que, conta-se, chegou a destruir a todos os vitrais da loja Cúpula de Malquistã. Daquela noite lembra-se, ainda, que a cidade foi invadida por um odor profundo de gerâneos, que a alguns lembrou o odor de cadáveres insepultos e suscitou a hipótese de a chuva ter alagado o cemitério da Soledade, no centro da cidade, e ter trazido os mortos à superfície da terra. Por sinal, foi também a noite de uma festa familiar na qual se viu surgirem de dentro de paredes brancas dois fantasmas, como me foi contado, que prenunciaram vários desassossegos. E ainda, porfim, foi a noite em que o líder oposicionista, o ex-governador Lauro Sodré, sofreu um atentado, enquanto se dirigia em seu coche para assistir a uma récita lírica no Theatro de Nossa Senhora da Paz.
Aí terminava a "Era da Borracha", de forma tão inesperada e rápida quanto foram vertiginosas as folias da sua história privada. A renda per capta da região, que em 1910 fora calculada 323 dólares, para decair, na década seguinte, a 74 dólares, tendo sido superior, na última década do século XIX, aos valores estimados para cidades como o Rio de Janeiro, Boston e Nova York.
No entanto, o monopólio que a Amazônia mantinha sobre a produção mundial de caucho (a seiva milagrosa que modificava o processo industrial de todo o mundo e que equipava indústrias crescentes, como a automobilística) não duraria para sempre. Preocupados com as manobras especulativas que começaram a ser desenvolvidas por exportadores paraenses e portugueses, em 1908, em Nova York, 407 companhias e 231 firmas internacionais formaram a "Rubber Growers Association", que passou a financiar pesquisas e a desenvolver técnicas de cultivo ordenado - na Amazônia, afora algumas poucas experiências, a atividade sempre foi extrativista - com plantações próprias na Malásia.
Essa produção de borracha no oriente subiu de 3 mil quilos em 1900 para 28 milhões de quilos em 1912. Em 1913 alcançou a produção de 48 milhões de quilos e, em 1914, a Malásia produziu mais da metade da borracha mundial, 71 milhões de quilos. Em 1919 a borracha oriental alcançou 90% do mercado mundial, desbancando, definitivamente, a concorrência da produção amazônica.
Não será difícil imaginar o baque que sofreu a estrutura econômica amazônica com a súbita e inesperada queda dos preços. De acordo com Paul Le Cointe, somente na praça de Belém as falências pronunciadas alcançaram o valor de 100 milhões de francos (cerca de 59.524 contos de réis), e isto somente no ano fiscal de 1913. A renda interna da região caiu de 485.833 contos de réis em 1910 (e fora ainda maior nos anos do final do século XIX) para 153.568 contos em 1915.
Alí terminava a "Era da Borracha". Seus mitos e metáforas, no entanto, ainda persistem. Hoje, cem anos depois de alguns dos melhores dias do ciclo, num momento em que a cidade, humilhada, procura referenciais para se reconstituir, é preciso contar muitas histórias. Não sei se uma “Era da Borracha” será a mesma coisa que um “ciclo do látex” cem anos depois. Estas “memórias” modernistas, talvez, permitam que não o sejam. O que seguem, nos próximos artigos, são “memórias” para que sejam inscritas cidades no ar.
Continua amanhã.

Comentários

Breno Peck disse…
"Cúpula de Malquistã"? Não era Torre de Malakof, Fábio?
hupomnemata disse…
Havia as duas. A Torre de Malakof, do grupo La Rocque da Costa & Cia, ficava no comércio. A Cúpula de Malquistã foi, a princípio, uma sucursal do magasin O Pelicano, mas mudou de nome a partir de uma divisão de herança litigiosa. Foram concorrentes.

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