Participei na sexta-feira passada da banca de Mônica do Corral Vieira, no mestrado em Letras da UFPA. O trabalho tinha o seguinte tema: "As Mulheres Chradeiras. Literatura e Cinema", e portava sobre um conto que eu mesmo escrevi, muitos anos atrás, integrante do livro "Terra dos Cabeçudos", o único trabalho de ficção que já publiquei. A insólita condição de avaliar uma dissertação que discutia um trabalho meu, não sendo esse trabalho um trabalho acadêmico, ou seja, que não continha pressupostos objetivos (ou, ao menos, delineados a partir de um método exposto), exigiu certa concentração e certa negociação de sentidos - uma experiência interessante, que, há alguns anos, eu teria evitado, mais por pudor que pela incompreensão de que a literatura permite, ao sujeito que escreve, inverter papéis com o sujeito que lê.
E justamente um dos temas debatidos durante a defesa - um tema trazido à luz pela professora e colega Lília Chaves, que participou da banca juntamente com Luis Heleno Montoril, o orientador do trabalho - dizia respeito ao mito do "leitor ideal", alguém que não participa do processo de criação do texto mas que lá está, de algum modo, como um leitor idealizado pelo autor. Não sei qual seria esse leitor, para mim, se o tiver ou se o tive, quando escrevi esse conto, mas é instigante pensar nos duplos que a gente tem por aí e que outros percebem sem que a gente também o faça. E um tanto mais complexo é pensar nessa dicotomia que há entre o trabalho científico e "o outro" trabalho, o da criação ficcional. Não sei, por exemplo, se há essa condição de projetar um "leitor ideal" no trabalho científico. Provavelmente sim, mas são tantos os tabus que envolvem a pesquisa que às vezes é difícil sair do emaranhado de exigências formais do espírito descritivo, mesmo que com o aporte de leituras mais abertas, como as do campo da fenomenologia.
Apenas uma nota, meio pessoal, meio profissional, sobre a qual seguir pensando.
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