Reproduzo artigo de Mauro Marcondes Rodrigues publicado originalmente em O Globo no dia 28 de março último:
A base da integração
Mauro Marcondes Rodrigues
Pouco difundida no Brasil, a ação dos governos dos doze países sul-americanos para integrar fisicamente a região está caminhando, e uma primeira etapa de trabalho foi concluída ao final de 2010.
Cometário do Hupomnemata:Criada em Brasília no ano 2000 pelos presidentes do subcontinente, a Iniciativa para Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) avançou muito na identificação e execução de projetos de estradas, ferrovias, hidrovias, gasodutos, redes de transmissão elétrica e ações no setor das comunicações. São mais de 500 projetos de infraestrutura, somando investimentos de US$96 bilhões que facilitarão a integração do Brasil aos seus vizinhos e vice-versa.
Quase a metade das obras está em execução ou concluída e em algumas regiões os projetos de integração já estão criando novas perspectivas para as populações e economias locais. Este é o caso, para ficar em um exemplo, da integração do Noroeste do Brasil com o Peru. Com a ponte sobre o Rio Acre construída pelo governo brasileiro na fronteira do Acre com Madre de Diós, no Peru, e a construção da estrada que faz a ligação de selva, serra e costa peruanas pela concessionária Conirsa, liderada pela empresa Odebrecht, estão surgindo oportunidades para brasileiros e peruanos, em função da complementaridade produtiva das economias dos dois países e da expansão do turismo na região.
Nestes dez anos de atividades da IIRSA, a formação de uma rede de funcionários governamentais dos países da região, os Coordenadores Nacionais da IIRSA, tem permitido grande agilidade no intercâmbio de informações e conhecimentos sobre as infraestruturas existentes e projetos previstos em cada país, facilitando a coordenação de ações que organizam a integração dos territórios sul-americanos. Essa rede é um ativo de grande importância para o desenvolvimento regional.
A nova etapa que se inicia com a incorporação da IIRSA ao Conselho de Ministros de Infraestrutura e Planejamento no âmbito da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) apresenta grandes desafios, e o Brasil, que assumiu sua Presidência pró-tempore, pode ser, como o foi no lançamento da IIRSA em 2000, o promotor de um salto de qualidade para potencializar a integração regional.
A agenda necessita avançar para um novo patamar, onde não basta focar os esforços na conclusão das infraestruturas planejadas, mas também investir nos processos que facilitam a integração dos países e regiões. Vale dizer, os países sul-americanos devem buscar realizar suas conexões territoriais e, ao mesmo tempo, impulsionar sua operação de maneira eficiente para alcançar os resultados e os benefícios esperados. A construção de bons projetos é a base, mas adequar as normas e regulações entre os países e investir na logística necessária para operar o sistema de forma integral e otimizado são fundamentais. Estes dois últimos componentes não demandam recursos financeiros substantivos, mas determinação política para superar entraves burocráticos e as idiossincrasias das diferentes instâncias do aparelho de Estado dos doze países da América do Sul.
MAURO MARCONDES RODRIGUES foi coordenador da Iniciativa para Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
A relação do Brasil com os demais países da América Latina é, em função do tamanho do país e de sua economia, de natural interdependência. Por isso, é preciso interpretar bem a natureza dessa relação. Os riscos de se cair num continentalismo autoritário, como se todos os demais países do continente devessem se submeter ao modelo de escoamento e de produção brasileiros parece ser grande. Há certa mentalidade colonialista, aqui, que mesmo os maiores críticos da cultura política do Brasil não gostam de assumir e essa mentalidade, por vezes, se pronuncia sobre as ações e os discursos. Por isso, construir a integração regional é uma tarefa que precisa levar em consideração a noção de interdependência como um ativo multipolar, no qual estão em jogo populações heterogêneas e com direito à heterogeneidade.
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