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A motivação do atirador de Realengo


Reproduzo artigo de Eduardo Guimarães, publicado no Blog da Cidadania:

O Brasil ainda tenta entender o que levou o soturno e jovem Wellington a praticar aquela insanidade. Reflexão mais fria sobre o caso, porém, permite identificar um ponto em comum entre casos como o de Realengo e os que acabaram se tornando “comuns” nos Estados Unidos. Os autores dos massacres aparecem sempre como jovens retraídos e, no mínimo, evitados pelos colegas. E esse é o elo, o convívio social turbulento entre adolescentes.
No caso do atirador brasileiro, circulou pela internet informação de que teria escolhido preferencialmente as meninas bonitas. Seu ataque visou, objetivamente, o gênero dos alvos, pois quase todas as vítimas são do sexo feminino.
Esses fatos, associados a informações de que Wellington fora alvo de zombarias, tendo sido alcunhado como “Al Qaeda” por se mostrar interessado e se parecer, nos hábitos, com extremistas muçulmanos, além do histórico de que meninas lideravam as zombarias, induzem a crença de que o bullying pode ter gerado mais essa tragédia.
Não são poucos os casos de jovens que relatam que chegaram a pensar em suicídio diante do assédio de colegas de escola quando “elegem” uma vítima para verdadeiras sessões de tortura psicológica – e até física – de crueldade e insensibilidade espantosas. Quando dizem que crianças e adolescentes são cruéis, pois, não estão brincando.
Recentemente, um rapaz australiano obeso, farto de ser vítima de bullying na escola, resolveu reagir e agredir com violência quem o insultava. O caso se tornou verdadeiro hit sobretudo na internet após um vídeo da reação do alvo da chacota dos colegas ter sido postado no You Tube. Uma reação, percebem? Para esses jovens, é tudo uma reação…
Os ataques desses jovens assassinos a colegas ou ex-colegas de escolas em que estudavam ou nas quais haviam estudado – no caso de Wellington, muito mais velho do que as vítimas, percebe-se intenção de acertar contas com o passado – deixam poucas dúvidas de que a sociedade tem que se concentrar em impedir que jovens retraídos sejam torturados pelos colegas com “brincadeiras” cruéis.

Ano passado, relatei, neste blog, um caso impressionante de “bullying eleitoral” ocorrido com filha pequena de um amigo. Crianças na faixa dos dez anos de idade de escola de São Paulo que, em grande maioria, eram filhas de pais contrários à eleição de Dilma Rousseff perseguiram a filha de meu amigo, simpatizante do PT, e agrediram a menina com socos e pontapés enquanto gritavam slogans políticos. Crianças de dez anos.
O bullying vai se mostrando um fenômeno cada vez mais intenso, imprevisível e de conseqüências devastadoras para os alvos da prática. Quem tem a menor noção do nível de sofrimento que experimentam as vítimas – aliás, uma preocupação que, nos Estados Unidos, tem mobilizado a sociedade – certamente já percebeu que, apesar de ser positivo que se combata a venda de armas, não será assim que se evitará casos como o de Realengo.
No caso específico desses atos de insanidade como o do jovem Wellington, armas podem ser conseguidas em qualquer parte. Os telejornais relataram que as usadas por ele na chacina eram de origem ilegal, não tendo sido compradas em loja. Mesmo que não houvesse armas sendo vendidas no Brasil, armas são contrabandeadas para dentro do país.
Além do que, para quem quer matar, se não entrar em uma escola com um revolver ou em um cinema com uma submetralhadora, pode entrar com uma espada, um facão, qualquer arma branca e fazer estragos talvez até maiores – algumas armas brancas têm um poder de ferir extremamente alto, como espadas samurais, afiadíssimas e que podem ser levadas em vários tipos de invólucros.
O que é preciso combater, portanto, é a motivação desses jovens. Mesmo sendo psicopatas, sem o estopim do bullying podem se limitar a ser retraídos, antissociais. E, aliada ao combate à zombaria organizada de grupos contra uma vítima, outra providência indispensável é a avaliação de professores sobre jovens com esse perfil, de forma a lhes ser oferecido – ou até imposto – tratamento psicológico.
Mas, acima de tudo, cabe aos pais, às famílias, repensarem a educação que estamos dando aos nossos filhos. Quantos exemplos de intolerância milhões de pais e mães dão aos filhos estigmatizando pessoas por ideologia, etnia, religião, convicção política, classe social etc., tornando-as alvos potenciais dos filhos se surgirem-lhes no ambiente escolar?
Em um momento em que um deputado federal vai a uma televisão de alcance nacional e diz frases estúpidas sobre pais agredirem filhos “gayzinhos” para “curá-los”, quantos comportamentos parecidos não estarão sendo inspirados em jovens que julguem que algum colega se enquadra nesse estereótipo criminoso?
Toda esta reflexão nos leva de volta ao assunto que este país tanto tem discutido desde que aquele inominável parlamentar disse as atrocidades que todos conhecem. Os jovens nascem insensatos. Cabe aos adultos lhes ensinar tolerância com a diferença, generosidade, respeito ao próximo, valores humanistas, em vez de comportamentos diametralmente contrários a estes.
Sem profunda reflexão da sociedade sobre o que discursos intolerantes de adultos diante de jovens podem causar, continuaremos criando monstros que acabarão atacando a todos, cedo ou tarde. Até a você que se delicia com uma aberração como o deputado racista e homofóbico ou que apenas defende a continuidade de seu discurso odioso em nome de uma “liberdade de expressão” que, como se vê, termina de enlouquecer mentes como a de Wellington.

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