Quinta-feira passada, jantando na casa de amigos, apareceu o tema da reforma política. É impressionante como há um preconceito instalado em relação ao voto em lista fechada. O argumento é que, nesse modelo de voto, as pessoas não escolhem seu candidato. Dizem que os "caciques" de cada partido vão impor aos eleitores suas vontades.
Bom, o fato é que votar numa pessoa específica é mera ilusão, dentro do sistema político brasileiro. O voto dado, transfigurado num candidato, na verdade, vai para o partido. O partido, ou o grupo, ou a aliança de partidos é a base do funcionamento do sistema político. A pessoa sempre foi uma mera fachada. Uma fachada que acaba dissimulando não somente o partido, como também os compromissos partidários, que constituem a própria dinâmica do debate público e do debate no Congresso e nas Assembléias Legislativas.
Além disso, ninguém governa ou legisla sozinho. Ninguém é capaz de fazer leis ou de aprová-las sozinho. Isso não existe. A base da própria política é o coletivo. É por isso que seria interessante o voto em lista fechada: é um sistema que evidencia a maneira como a política funciona de fato e que, por isso, permite um controle maior sobre os compromissos.
Mas, dizendo isso, numa conversa entre amigos, sempre há quem cite o nome de políticos mais conhecidos para reforçcar o argumento de que " quem vai decidir é o cacique".
Lógico que há indivíduos que, em sua vida política acabam se tornando verdadeiras instituições simbólicas, para o bem ou para o mal, como Lula ou Sarney, por exemplo. Esses personagens possuem um capital político de matiz individual, cujo peso pode se confrontar o capital político partidário. Mas essa é a exceção. A regra é que o eleitor não conhece os demais políticos que legislam. Aliás, provavelmente sequer lembram em quem votaram nas últimas eleições.
O caso é que o brasileiro tem a ilusão de que seu voto deve ser na pessoa por puro impulso messiânico. Acredita-se que a política é uma ação meio sagrada de "poder fazer o bem comum", como uma espécie de milagre, se o político superar as barreiras épicas da sua vida pública - como a corrupção, por exemplo.
Bom, além de tudo isso, o voto em lista fechada representa também a vontade do eleitor. O modelo do PT, por exemplo, é o seguinte: a decisão sobre quem vai ou não ser candidato é dos filiados através do voto direto e secreto. Os próprios dirigentes do partido, inclusive, são eleitos pelo voto direto e secreto. É ou não é um modelo a ser imitado?
Ah, e tem outro argumento a favor do voto em lista fechada: ele simplifica e diminui os custos da eleição.
E querem outro? Ele tira a força do dinheiro privado nas eleições e, dessa maneira, reduz imensamente os casos de corrupção. Por isso, aliás, é que esse tipo de voto faz uma dobradinha o financiamento público das campanhas. Juntos, eles possibilitam um processo eleitoral muito mais democrático, justamente porque afastam a política da ação nefasta do financiamento privado de empresas - como se sabe o evento incial da cadeia de corrupção que se tornam os mandatos.
O voto em lista aberta, modelo atual, foi implantado em 1945. Ele só existe em três países, além do Brasil: Chile, Finlândia e Polônia. É um modelo que personaliza a política brasileira e que obriga os partidos a correrem atrás de puxadores de votos sem qualquer compromisso com o eleitor.
Já a lista fechada é o sistema mais usado no mundo. Em praticamente toda a Europa e em várias democracias jovens, como Argentina, Moçambique, Turquia, Uruguai, Costa Rica, África do Sul e Paraguai. Nestes países, as listas fechadas são escolhidas em prévias partidárias em que todos os filiados votam e definem a ordem da lista. Tal como no PT: quem escolhe é a base partidária.
Comentários
uma saída que o relator da Reforma Política, Henrique Fontana, pode encontrar é propor o voto proporcional misto, em que o cidadão vota numa lista e em seguida escolhe um candidato em específico. Assim, não se desperta tanta resistência do Congresso e da própria população, que possui de fato uma cultura política profundamente personalista.
De toda forma, o voto em lista valoriza o debate político no nível dos conteúdos programáticos, dos projetos, das idéias, dos posicionamentos - e não no nível dos indivíduos. Isto seria um avanço formidável para nossa democracia, pois a nossa tradição é a de esperar uma figura messiânica que, por si, resolveria todos os problemas. Mas política realmente não se fez sozinho, e sim coletivamente.
Além disso, este sistema eleitoral viabiliza o financiamento público de campanha, que tornaria o poder público mais independente em relação ao setor privado. Hoje, os candidatos eleitos são aqueles que têm ou conseguem mais dinheiro para fazer campanha, ou seja, a ascendência do poder econômico sobre os políticos é absoluta. Com o financiamento público, as campanhas ficam mais baratas, e os eleitos passam a representar mais o povo brasileiro e menos aqueles segmentos do mercado que pagaram as contas eleitorais - declaradamente ou por caixa 2.
Parabéns pelo texto!
Abraços