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O caso Murdoch: considerações em torno dos excessos da comunicação


O blog se concentra, hoje, em refletir sobre as lições que o escândalo Murdoch podem nos passar. É mais um desses temas sobre os quais não se pode deixar de falar, sobretudo num blog que tem um dos seus focos na cultura política da comunicação.

Para começar, uma nota sobre o núcleo desse caso: o excesso. A questão toda girou em torno do excesso, cometido pelo jornal News of the World, em primeira instancia, mas, evidentemente, por toda a mídia britânica, na sua instancia mais ampla, em torno de seus direitos e deveres de informação.

Por exemplo, quando divulgou uma informação de que a família do ex-Primeiro Ministro Gordon Brown guardava com zelo – com todo direito, posto que se trata de um assunto absolutamente privado  –, a de que seu filho Fraser, então com quatro anos de idade, sofre de fibrose cística. Parece normal expor uma criança à curiosidade pública? Claro que não. Trata-se de um excesso, de um rompimento das barreiras de direito de informar. Algo mais grave ainda porque, obviamente que por trás desse fato, estava a intenção, velada ou não, tácita ou fria e matematicamente calculada, de constranger politicamente o Primeiro Ministro, colocando-o numa situação de vulnerabilidade.

Ou ainda, por exemplo, quando grampeou o telefone de uma criança sequestrada e morta, Milly Dower, para checar sua caixa de mensagens – o que criou, na família, a falsa impressão de que a menina poderia, ainda, estar viva. Outro excesso, que viola os limites da responsabilidade de comunicação e os limitas da ética.

O chocante, porém, é que a lista de atividades semelhantes é imensa: grampear telefones e mensagens particulares de cerca de 4 mil pessoas, dentre políticos, celebridades, nobres, veteranos das guerras do Iraque e Afeganistão e vítimas de crimes era um procedimento banal, um procedimento padrão, apenas um processo diário na alimentação de informação de uma imprensa absolutamente consciente de que o fazia rompendo com todo padrão ético de responsabilidade social que deveria ter.

Esse padrão de excessos levou, facilmente, a outro padrão de excessos, por meio da influência da corporação na própria política. A política de Londres, como se sabe, engavetou investigações importantes, pelo fato de que eram contrárias aos interesses de Murdoch. A imprensa britânica feriu de morte os governos conservador de John Major e trabalhista, de Neil Kinnock.

Tony Blair, o ex-Primeiro ministro trabalhista, percebendo esse fato elementar de poder, cortejou como pôde as corporações Murdoch, uma linha que foi apenas parcialmente seguida por seu sucessor, Gordon Brown, penalizado por isso e que foi retoma, com amplo excesso, pelo atual Primeiro Ministro, David Cameron, que, cúmulo do serventilismo, contratou Andy Coulson, ex-editor do News of the World, como seu assessor de comunicação.

Esse excesso geral, na atividade da imprensa, no uso instrumental da mídia como artefato de poder e na influência das corporações de comunicação sobre o poder público, demandam que a sociedade crie formas de controlar esse excesso de poder. Tarefa das mais difíceis, porque o poder da mídia deriva do medo. E o medo é o grande inimigo (e o obstáculo) da liberdade.

A base do medo é aquilo que, na Rússia, é chamado Kompromat, material comprometedor. Um dossier a ser usado no caso do político ou da personalidade se afastar dos interesses do veículo de comunicação ou dos limites de fala por ele estabelecidos.

Exatamente por isso o jornalista George Monbiot afirmou, num artigo publicado recentemente no jornal The Guardian, que “o jornalismo é a profissão menos cobrada e mais corrupta da Grã-Bretanha”.

Contra essa prática de excessos, é preciso fazer um escrutínio público do jornalismo e das demais atividades profissionais relacionadas à comunicação. Isso passa a ser vital para a própria democracia.

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