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O escândalo Murdoch e o problema da ética jornalística

É ridícula a associação que alguns veículos de comunicação tentaram fazer entre o ocorrido e a ética jornalística. Isso porque eles tentaram reduzir a ética jornalística a uma questão de “ética de jornalistas”. Ora, ainda que haja, evidentemente, um problema tal, a questão maior – e, portanto, a verdadeira questão – não é essa, mas sim a questão da “ética das empresas jornalísticas”, pois a espionagem aconteceu com total conhecimento dos proprietários e os editores do jornal.

O problema da ética na comunicação – ou melhor, o problema do controle da falta de ética na comunicação – é de suma importância para a democracia contemporânea. De suma importância. Três coisas são essenciais nessa questão: a existência de um código de ética, a existência de comissões de autorregulamentação sobre a postura ética na comunicação e a existência de uma regulação efetivamente ponderada, racional e que defenda os interesses da sociedade democrática. Nenhuma delas é suficiente para garantir o efetivo controle democrático da mídia, mas são condições de partida, condições básicas.

A Inglaterra possui um órgão de auto-regulação do seu mercado de comunicação, a Press Complaints Commission. Trata-se de uma comissão independente, criada pelos empresários do setor. Não resolve muito. Recebe críticas, encaminhas críticas, mas nada acaba por acontecer. Aliás, isso ficou óbvio.

O problema está no fato de que esse tipo de comissão precisa ter uma participação social efetiva. Não pode ser uma comissão de empresários ou de editores. Não são eles que devem controlar seus próprios excessos, mas a sociedade, democraticamente representada, que é quem sofre com esses excessos.

Em relação aos códigos de ética, tratam-se, igualmente, de instrumentos de ponderação. Necessários mas limitados. O professor Venício Lima, um dos grandes defensores da democratização da comunicação, no Brasil, observou, numa entrevista publicada recentemente pela revista Terra Magazine, que “A existência dos códigos de ética não é nenhuma garantia do comportamento ético, em qualquer profissão”.

Penso que o primeiro passo seria reelaborar o próprio código de ética da profissão de jornalista e das atividades relacionadas à comunicação em geral. O segundo passo seria a melhor qualificação e a maior carga horária dedicada aos conteúdos éticos nas faculdades de jornalismo e de comunicação.

O jornalista George Monbiot, do jornal The Guardian propôs, recentemente, um modelo de declaração de ética para os jornalistas muito interessante. Um modelo que parte do princpipío de que a principal tarefa do jornalista profissional é manter o poder sob escrutínio. Isso é genial. Merece ser lido:
“Nossa tarefa principal é manter o poder sob escrutínio. Vamos priorizar aquelas histórias e questões que expõem os interesses do poder. Vamos ter cuidado com as relações que formamos com os ricos e poderosos, e garantir que nós não incorporaremos a sua sociedade. Nós não vamos agradar políticos, empresas ou outros grupos dominantes ao evitar reportagens que possam ser maléficas aos seus negócios, ou distorcer uma história para satisfazer seus interesses. 
“Vamos enfrentar os interesses das empresas, e os anunciantes que as financiam. Nós nunca vamos receber para promover uma opinião em particular, e nós vamos resistir às tentativas de obrigar-nos a adotar uma. 
“Vamos conhecer e compreender o poder que exercemos e como ele se origina. Vamos desafiar a nós mesmos e nossa percepção do mundo, tanto quanto desafiamos outras pessoas. Quando nós revelarmos errados, vamos reconhecer.”
Ou se regulamenta a ética na comunicação ou não se terá, verdadeiramente, um Estado democrático de direito.

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