Continuação do texto
Os defensores do pró-Carajás evitam falar em cultura, mas não recusam a palavra identidade, ainda que, tal como a não-cultura paraense que afirmam ter, seja também no âmbito de uma não-identidade paraense que se dissemine a representação que têm dessa sua identidade. Ocorre que falar em identidade é mais cômodo que falar em cultura. Quando se fala desta, em geral, acrescenta-se um inventário de “provas”, de “provas de cultura”, como sotaques, gastronomia, folguedos populares, literatura, histórias locais, etc. Mas para falar em identidade, esse inventário todo não é necessário: pode-se permanecer no campo do etéreo, do metafísico pleno, sem ter que agregar provas materiais quaisquer. Assim, retornamos a esse paradoxo inerente ao pró-Carajás: à identidade local basta se apresentar como uma não-identidade paraense.
Para os defensores do pró-Tapajós o tema da identidade parece comprometer os argumentos favoráveis à divisão, ao menos na região do Baixo-Amazonas. Como se se tratasse de uma profundidade metafísica inconveniente, considerada as raízes sociais dessa região, atavicamente associadas ao Pará remanescente. Por outro lado, justamente em função da dimensão material e empírica da cultura, se torna possível verbalizar, senão a identidade local, certa idéia de cultura local. Por mais que a cultura, assim verbalizada, tematizada, tenha as mesmas raízes sociais do Pará remanescente, tal como a identidade, sua simples enunciação torna possível o desenho de peculiaridades que positivizam os argumentos da secessão. Por exemplo, quando se fala sobre “a música de Santarém”, “a literatura paraense feita em Óbidos”, “a revolução tenentista no Baixo Amazonas”, o “tucunaré do Tapajós”, “o peixe preparado à moda do Baixo Amazonas”. Em todas essas construções, correntes no diálogo local, a idéia de identidade, sempre pensada como individualidade, se torna comprometida, mas não a idéia de cultura, que o senso comum reproduz como um fazer local, um acúmulo ou uma experiência local.
Em resumo, enquanto o pró-Carajás evita a evocação da idéia de cultura, porque a associa, tacitamente, a um acúmulo de experiências e de dados empíricos, preferindo amparar sua causa numa concepção de identidade – mais etérea, subjetiva e, por isso, mais fácil de associar ao argumento de uma não-identidade paraense, o Pró-Tapajós valoriza a colocação idéia de cultura, porque tem, nela, elementos empíricos capazes de substancializar seus argumentos pela divisão – ao mesmo tempo em que evita o tema da identidade, que, pelo senso comum, pelo fato de evocar as mesmas matrizes referenciais do Pará remanescente, enfraqueceria seus argumentos.
E quanto aos defensores do Pará inteiro? Por sua vez, eles tendem a construir uma percepção de identidade plenamente associada à de cultura, com o que acabam por reduzir a dimensão da cultura a uma questão, politicamente colocada, sobre a identidade.
Para eles, a cultura do estado, simplificada em torno de determinados objetos, processos sociais e práticas representativas, provaria, contundentemente, a identidade paraense. O debate sobre a divisão tem um efeito narcótico de validar essa dinâmica de representação, reforçando a coesão social por meio de argumentos-de-ordem que, de toda forma, reduzem o processo social a uma mera representação utilitária da realidade.
Continua
Comentários
Estou escrevendo um artigo informativo sobre as questões por trás do sim e do não da divisão do Pará.
Gostaria de saber se você teria interesse em escrever um breve posicionamento sobre porque defende o Não, com as razões que considera mais importantes para tal.
O texto será veiculado no portal O Eco Ambiental Amazônia, e terei que veiculá-lo até a semana que vem, no máximo. Que tal?
Se te interessar entre em contato comigo por email e a gente conversa!
Abraço,
Natália