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Curiosamente, a noção de cultura presente na representações dos defensores do estado do Tapajós não advoga uma não-identidade paraense. Sua estratégia discursiva consiste em evitar o tema. De outra forma, seria embaraçoso demarcar uma fronteira que não existe e que, pelo contrário, constitui-se, historicamente, com uma dinâmica de troca, de conexão, de irmandade profunda, constituída ao longo de séculos, por meio de tudo aquilo a que, apropriadamente, se usa chamar cultura. Porém, a noção de cultura não está ausente das representações do pró-Tapajós. De um lado, ela comuta-se à noção comunidade – a qual discutiremos mais tarde – e, de outro, ao mesmo discurso de auto-negação presente no pró-Tapajós.
Explico: há pelo menos três espaços territoriais diferentes no atual projeto de criação do estado do Tapajós. O primeiro desses espaço é o Baixo-Amazonas, um espaço paraense histórico que produz o discurso sobre a cultura transformando-a na noção de comunidade – e que, talvez, possua dois territórios internos diferenciados e concorrentes, a região de Santarém e a Calha Norte. O segundo dos três espaço que conformam o Tapajós é a região do Xingu, centrado em Altamira – e que, também ele, possui dois espaços internos bastante diferentes: o pólo de Altamira, justamente, conexo à Transamazônica, e o imenso espaço ao sul, o Xingu profundo, com baixa densidade demográfica. O terceiro espaço, enfim, do pretenso Tapajós, é a região do Alto Tapajós centrada em Itaituba. Estes dois últimos territórios, tal como o Carajás, são espaços de ocupação mais recente e que, tal como ele, tendem a reproduzir o discurso do não-lugar, a afirmação do mesmo pela tentativa de uma radical negação do outro.
O espaço do Baixo Amazonas liderando o processo de secessão da região se vê, assim, numa dupla contradição: não podendo afirmar sua não-cultura, tal como o Xingu e o Alto Tapajós, procura trazer o debate para o campo da comunidade e com isso fecha-se numa concha perigosa, cuja consequência, a médio prazo, seja a dificuldade na criação de uma sociedade local.
Essa seria a primeira contradição do pró-Tapajós. A segunda contradição seria a provável tensão entre esse espaço comunitarizado e, de certa maneira, fechado sobre si mesmo, e os dois outros espaços do eventual estado, espaços nos quais esse ideal comunitário não faz nenhum sentido e cuja prática política vê-se marcada pela negação da pretensa cultura paraense, que no Baixo Amazonas é uma expressão central, basilar, ainda que a tente negar.
Continua
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