Vou comprar pão às cinco da tarde sabendo que, a esta hora, também encontro, além de pães saídos do forno, aquele sujeito nervoso e agitado, sempre incomodado diante de uma situação necessariamente hipotética.
É um incomodado do eventual, um misericordioso do futuro.
“Salve, Horácio!”
Assim ele me chama, referindo-se ao Horácio-Castro que nomeia meu pai e que de vez em quando uso, quando desejo me tornar invisível.
“Salve, salve!”, respondo, erguendo o braço na saudação romana que ele gosta de prestar e que o pessoal da padaria identifica, meio ressabiado, como uma saudação nazista.
“Escuta” – vai logo ele dizendo, sem espaço para assuntos menores – “Tem gente querendo impor ao PT uma política de coligação”.
“Com o Edmilson e o PSOL?”
“Não, com o PMDB!”.
“Com o PMDB?”
“É!”
Seguiram-se dois ou três segundos de silêncio. Ele me olhando, com as órbitas esbugalhadas, como se apreciasse o final dos tempos.
Percebi que aguardava que eu lhe peça uma explicação e a pedi.
“Tem gente graúda, no PT, que é obcecada por essa dobradinha PT-PMDB. Eles estão dispostos a entregar Belém esperando apoio para disputar o governo em 2014”.
“Olha, esse namoro de alguns petistas com o PMDB pode até ser verdade mas, realmente, não acredito que o PT coligue com o PMDB para as eleições de Belém, isso não tem o menor cabimento”, respondo.
Olhos esbugalhados e final dos tempos. Ele continua:
“Fábio-fábio, seja perspicaz: apoiar o PMDB independe de coligação, basta que o PT lance um candidato que não seja competitivo, um candidato prontinho para ser derrotado, é isso que significa apoiar o PMDB”.
Nesse momento, o povo da padaria já ouvia nossa conversa. Conversas sobre o PT sempre atraem orelhas clandestinas. Meu amigo agitado, incomodado do eventual, misericordioso do futuro, se aborreceu de repente com as orelhas clandestinas e berrou, arregalando como nunca seus grandes olhos:
“Que foi, nunca me viram?”
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