Uma vez ensaiei oferecer uma rosa, colhida no próprio jardim (tínhamos
uma roseira imensa, de um 15 m de comprimento) para minha mãe, pela ocasião de
um reles dia das mães. Enfrentei o olhar recriminador do meu pai, que não
tolerava expressões de afetividade banais, na sua compreensão, dessas que se
ensaia no dia das mães, pais, namorados, etc. Considerava-as vulgares,
mesquinhas e, sobretudo, ridículas. Metade das coisas do mundo soavam ridículas
para o meu pai. Mas enfrentei seu olhar reprobatório. Enfretei-o, algumas
vezes, com meu humilde heroísmo.
Outra vez, escrevi à minha mãe, pela mesma data, uma carta amorosa, que
pus sob seu travesseiro. Era para ser encontrada no dia seguinte, mas o foi na
mesma noite que o sorrateiro filho a colocou – e que era uma noite com
convidados em casa, lembro-me bem que uma sexta-feira. Os convidados eram
amigos queridos de meus pais, o Valdemir e a Doristela. Minha mãe leu a carta
para eles e a Doristela choroou, emocionada, prelibando que eu tinha futuro de
escritor. Eu tinha uns doze anos, e doze mil futuros à minha frente.
Mas meu pai ficou contrariado. Por meia hora. Depois, se emocionou. O
tal “futuro de escritor” era do tipo de coisas que o punha meio fraco de espírito.
A troca lhe valia: uma cartinha por “futuro de escritor”. Estava no ganho. E o
wiskey que bebia, com o amigo Valdemir, o confirmava.
Bom, as coisas ficam sempre no passado, com a exceção da memória que
proferimos – a qual, evidentemente, nos é cara quando da melhor espécie. E, o
sendo, recordo, também, de o quanto minha avó Nida se punha indignada com a
falta de atenção, do seu genro, para uma data como esta, sagrada ao nível
elevado do Olimpo, no seu entender, como o dia das mães.
Era o seu dia, afinal. Em algum momento, toda a sua identidade se
converteu em ser a mãe-da-Mariléa. E, morando conosco, para o desassossego do
meu pai, organizava um almoços estupendos para o dia-das-mães. A tia Amélia que
o conte. Era quase que a festa-das-festas.
E ai que eu lhe faltasse com a rosa-da-roseira! E ai que não a fosse
acordar com uns abraços. E ai que não o fizesse banhado e perfumado, como lhe
convinha – porque o que mais não-suportava no mundo era o azedo de moleque que
dormiu sem o banho-das-sete-e-meia! – como era meu costume...
Na verdade, no dia-das-mães, minha avó fingia que dormia até mais tarde,
o que nunca acontecia, para que tivéssemos as condições necessárias para irmos
acordá-la. Era uma encenação convenientemente pactuada.
Na prática, ela também acordava mais cedo, ia ao banho, entalcava-se,
perfumava-se como Héstia, escovava por três vezes os dentes, e se punha de novo na cama, fingindo
que ainda dormia. Dava-nos tempo. Para acordarmos, para as rosas e um beijo.
Coisa do que lhe dar o céu.
A vida convém como um palco, evidentemente.
Ou não. Bem além dos embates entre meu pai e sua sogra, que era o debate
de dois titãs, eu entendi que o que é relativo é caro àquele que os entende. E
que a dialética entre os seres poderosos da natureza resulta, para aquele que a
entende, numa conversa aprazível entre as gentes.
Então me ocorre a lembrança de algumas mães. A minha, a mãe da minha mãe,
a mãe do meu pai, a mãe do avô do meu pai, que morreu quando ele nasceu, a mãe
dos meus filhos, a mães homônimas que são a mãe da mãe dos meus filhos e aquela
criatura difícil e esquecida que foi a mãe da mãe dos meus filhos.
Vejam a
galeria.
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