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Notas sobre a política depois de 2014

O Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), principal referência de acompanhamento e análise da atividade parlamentar, divulgou um perfil do Congresso eleito este fim de semana. Em síntese, temos uma guinada do parlamento à direita e ao conservadorismo. Temos o Congresso mais conservador desde o regime militar. E, além disso, temos também o Congresso mais fragmentado de toda a história nacional, com o aumento de 22 para 28 o número de siglas com representação na Câmara. O que já era conservador e fragmentado se tornou pior.

De acordo com os dados do DIAP, dentro da Câmara Federal há lugar para uma “bancada da segurança” composta por nada menos que 30 policiais, militares ou apresentadores de programas populares de tv sobre segurança. 

Junto com eles, há também lugar para uma “bancada evangélica” formada por 52 pastores, bispos e cantores de musica gospel. Desse total, 38 deputados foram reeleitos e 14 são novos.

A “bancada empresarial” cresceu em 30 cadeiras e passou a ser composta por 190 empresários.

Todas elas são bancadas potencialmente conservadoras, que vão defender uma agenda conservadora e dificultar as reformas estruturais que o país precisa.

Os progressistas, diante desse crescimento conservador, encolheram. A “bancada sindical” tinha 83 assentos na Câmara e passou a ter 46.

Nessa guinada conservadora o PSDB ganhou 11 cadeiras na Câmara, passando de 44 para 55, num crescimento de 25%. Já o PT perdeu 20% dos seus deputados, nada menos de 18 cadeiras, passando de 88 para 70 representantes. 

No Senado, um terço da Casa foi renovado, o equivalente a 27 parlamentares. A bancada que mais cresceu foi a do PMDB, com 5 novos senadores. O PSDB e PDT elegeram 4 senadores cada, o PSB e o DEM elegeram 3. O PT, o PTB e o PSD conseguiram eleger 2 senadores novos. PR e PP fizeram 1. 

O PMDB terá a maior bancada, com 19 senadores. O PT ficará com 13, e o PSDB com 10.

Quando projetamos a votação recebida por Dilma nas unidades federadas vemos a mesma tendência.

Em 10 estados Dilma recebeu mais votos em 2014 de que em 2010. Todos eles ficam nas regiões Norte (PA, AC, AP, RO, RR) e Nordeste (CE, PB, PI, RN, SE).

No Pará, Dilma teve 47,93% dos votos em 2010 e 53,18% em 2014.

Em outros 16 estados e no DF, essa equação se inverteu: no Norte (AM e TO); no Nordeste (AL, BA, MA, PE); no Centro-Oeste (DF, GO, MT e MS); no Sudeste (SP, MG, RJ e ES) e no Sul (PR, RS e SC). Em alguns desses estados a diferença entre 2014 e 2010 foi pequena (na Bahia Dilma recebeu 62,62% dos votos em 2010 e 61,44 % em 2014). 

Em outros, foi significativa, como no DF (uma queda de 31,74% para 23,02%); em GO (de 42,23% para 32,10%), no RJ (43,76% para 35,62%) e em SC (38,71% para 30,76%).

O caso de São Paulo foi dramático, como se sabe. Lá, Dilma recebeu 37,31% dos votos em 2010 e apenas 25,82% este ano.

Votos que migraram para o PSDB. Como também se sabe, Aécio obteve 4,2 milhões de votos a mais que Dilma em SP, o principal colégio eleitoral do país.

O que dizer desse números? Que o PT inicia um processo de queda? 

Talvez. Entre 1994 e 2002 o partido teve um avanço considerável nas suas bancadas no Congresso e também na conquista dos governos estaduais. Entre 2003 a 2012 o partido experimentou um período de equilíbrio, com pouca flutuação de eleitos. 2014 representam uma queda significativa. Resta saber se ela é uma tendência de ciclo ou um resultado circunstancial.

Penso que a culpa desse “encolhimento” é, sobretudo, do próprio governo. 

É também dos oligopólios de comunicação e da sua guerra suja ideológica, sim; mas, sobretudo, é do próprio governo.

O governo Dilma podia, devia, ter feito a reforma política, a reforma da comunicação, a reforma tributária e a reforma federativa. Podia e não fez. Podia ter construído uma agenda política que fizesse a sociedade brasileira avançar a passos mais largos, mas a custa de evitar atritos, fez todas essas agendas recuarem. O governo começou com força para construir essa agenda, mas foi se perdendo numa introjeção burocrática e tecnicista que afastou a política do Planalto.

E que acabou por afastar tantos os movimentos sociais como a própria sociedade do PT.

O resultado é que ficamos muito mais longe de qualquer reforma estrutural. Com o Congresso eleito, conservador como é, quem ainda acredita em reforma política? Quem julga possível uma reforma da Comunicação? 

Não antes de 2018. Não mais agora.

Nesse cenário podemos prever quatro anos de balbúrdia. Quem pode imaginar um debate sério dessa maneira? O fato é que, com esse Congresso ficaram bem distantes as chances de Reforma Política, de Reforma da Comunicação, de Reforma Tributária e de quaisquer outras reformas. Um segundo governo Dilma, provavelmente, vai continuar a enunciá-las, tal como no primeiro governo, mas sem ter condições de implementá-las de fato. 

E aparentemente não se pode esperar um movimento positivo da sociedade em favor dessas reformas – afinal esse Congresso traduz um sentimento conservador que varre a sociedade brasileira e que se mescla a uma insatisfação geral com a política e a um anti-petismo, fabricado pela mídia, que ganha espaço.

Fico pensando como será um segundo governo Dilma, nesse cenário. Com as grandes agendas bloqueadas e com um PT bastante distanciado das suas origens sindicais e sociais, teremos um governo um tanto amarrado – experiência, aliás, já vivenciada no primeiro governo.

Um segundo governo Dilma vai, provavelmente, se concentrar na agenda do “mais” que se tornou um tema subjetivo destas eleições: mais saúde, mais educação, mais segurança, mais transportes. Já é uma boa agenda, embora não seja tudo o que se queria. A agenda do “mais” tem cara de mais-ou-menos, mas se é o que há para se ter, que se a tenha – ou que a tenha Dilma, ao menos que a tenha.

Na minha opinião, estas eleições se tornaram frustrantes. As condições de mudanças reais se esvaíram.

Sim, acho que Dilma deverá ser reeleita. Torço para isso e voto nisso com a certeza de que é o projeto mais justo e mais viável para o país. Mas também acho que a próxima legislatura vai bloquear a agenda progressista.

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