O marxismo ocidental 1: Passagem para a 3a geração
No mais recente artigo desta série mencionei o marxismo ocidental como o principal fluxo teórico do qual, no campo do marxismo, sou tributário. Necessário esclarecê-lo. Trata-se de uma tradição associada à terceira geração de autores marxistas, claramente distinta da segunda geração, a dos marxistas-leninistas e, pelos mesmos motivos, da geração dos fundadores da escola, Marx e Engels.
O termo foi cunhado pelo historiador Perry Anderson, por muitos anos editor da revista britânica The New-Left Review, para abrigar uma série de autores cuja característica mais importante foi a a substituição do componente político pelo componente filosófico, na teorização marxista. Esse fenômeno, explicável pelo processo histórico vivenciado por essa terceira geração de autores, bem diferente da vivência da segunda geração, teve um efeito marcante em toda a história do pensamento ocidental: a separação entre a reflexão e a prática revolucionária.
É dessa geração que vem minha leitura e toda a minha familiaridade com as heranças à esquerdas das quais falo aqui. Por isso mesmo eu não poderia falar muito a respeito da segunda geração, composta por Labriola, Mehring, Kautsky, Plekhanov, Lenin, Rosa Luxemburgo, Hilferding, Trotsky, Bauer, Preobrajenski, Bukharin e outros. De todos eles meu conhecimento é escasso. Dentre eles, li Labriola, Plekhanov, Lenin e Trotsky, e sempre imperfeitamente. Em Labriola interessou-me a sua interpretação para a noção de processo histórico e, especialmente, de formação econômica e social. De Plekhanov, li um mínimo, e só porque meu pai o leu. De Lenin, dois ou três textos e o mesmo de Trotsky. Porém, li bastante sobre esses dois autores, especialmente sobre Trotsky, sempre fascinante.
Ao contrário, da terceira geração, ou seja, do marxismo ocidental, li, reli e releio muita coisa: Lukács, Gramsci, Benjamin, Horkheimer, Della Volpe, Marcuse, Lefebvre, Adorno, Sartre, Goldmann, Althusser e o irridente Coleti. Mas nunca li Korsch, que também faz parte da geração.
Perry Anderson, guia culto e refinado da história do pensamento, observa que não havia diferenças entre as origens sociais desses pensadores e de seus antecessores da segunda geração. Em relação à sua área geográfica de pertencimento, no entanto, a diferença entre as gerações se tornou notável. Enquanto os autores da segunda geração procediam da Europa Central e do leste Europeu, sobretudo eslavo, os da terceira geração provinham do ocidente.
E quando o fato geográfico contradizia a regra, o fato cultural a esclarecia, como no caso de Lukács húngaro educado em Heidelberg, uma das universidades alemães mais a ocidente; Benjamin, berlinense francófilo ao extremo, Marcuse, outro berlinense, mas educado em Freiburg (tão próxima a Heidelberg...) e Lucien Goldmann, nascido à leste mas que viveu sempre, depois de adulto, em Paris e na Suiça.
O apreço dessa geração a uma interpretação filosófica do marxismo foi, na verdade, o resultado da conjuntura histórica marcada pela experiência soviética e pelo pós-guerra. Em seu conjunto, esses dois fatos históricos reduziram a possibilidade de debate, invenção e criação dentro da prática marxista, ao mesmo tempo em que produziam formas múltiplas de repressão à militância, seja por receio do estado soviético, seja em razão da expensão dos fascismos, seja pelas condições peculiares do proletariado dos países ocidentais antes da Segunda Guerra.
A terceira geração foi mais tardia que a segunda, bem menos "militante" que esta e deslocou o pensamento marxista para temas que fugiam do debate sobre a economia e sobre a política na direção da filosofia e da sociologia.
Por essas razões foi acusada de abandonar a "prática" e se concentrar em temas teóricos e abstratos. Isso não é verdade, à medida em que o horizonte de uma invenção da prática revolucionária esteve presente na maioria desses autores, sobretudo nos franceses, embora não como ação militante, na maioria dos casos. Não obstante, essa acusação produziu um dos grande equívocos presentes na história dos partidos de esquerda: a falsa polarização entre teoria e prática, a qual serviu para expurgar novas idéias e movimentos de autocrítica - com grandes prejuízo para todos – e para despolitizar estruturas partidárias, à medida em que, tangentemente, desobrigava os quadros em formação de um trabalho dedicado de leitura e reflexão, condições inerentes a todo o pensamento da segunda geração e, certamente, também da terceira geração.
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beijos
Sucesso