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Heranças à Esquerda 39

Esquerdas Brasileiras 10: O PT 1 – Heterodoxia e diálogo na constituição do PT.

As análises sobre o PT são ricas e variadas, e não seria eu a trazer uma fórmula nova para explicar o que é o partido. Então, não tenho nada de original a dizer. Meu objetivo é produzir uma síntese que atende a um objetivo preciso: compreender como o Partido dos Trabalhadores se forma como depositário de diversas heranças à esquerda. Portanto, devemos partir do óbvio: a percepção do PT como uma frente de esquerda, uma síntese possível de posições diversas, de heranças diversas e de práticas diversas. Essa síntese produz uma tensão permanente, administrada por um espírito democrático que, a meu ver, contribuiu não apenas para manter a união do partido como também para fazer avançar o diálogo entre as tendências e grupos.
Esse espírito democrático não seria evidente para uma imensa parte das tendências do PT, mês se tornou dominante através da própria experiência partidária, e constitui um dos grandes diferenciais do partido, tanto na cena política brasileira como para a própria renovação das esquerdas no cenário internacional.
O debate sobre as tendências iniciou durante o 4º Encontro Nacional, realizado em 1986. Nele, foi aprovada uma resolução preliminar sobre o assunto e o Diretório Nacional foi incumbido de formular uma proposta de regulamentação do direito de Tendências. Uma resolução definitiva foi aprovada no 5º Encontro Nacional. Em síntese, a existência das tendências foi reconhecida e foram estabelecidas as normas para sua conduta.
Até então havia verdadeiros partidos no interior do PT. Alguns deles tinham o projeto de dominar o próprio PT. Outros, de proteger-se numa estrutura pública até o momento certo de deflagrar seu projeto próprio. A maioria tinha veículos impressos próprios de comunicação e realizava congressos fechados aos demais membros do partido. A decisão de regulamentar as tendências foi extremamente inteligente, pois possibilitou canais de convergência partidária ao mesmo tempo em que respeitava dinâmicas orgânicas específicas. Foi um exercício de democracia federativa e, nesse sentido, poderia ser mais bem utilizada na teoria política brasileira, bem como do próprio PT. Porém, ainda é um assunto pouco estudado.
Legitimar a diferença, respeitando-a, é um princípio do Partido dos Trabalhadores. Mas também é uma prática, um ensaio, um aprendizado. O que não quer dizer que não haja litígios e confrontos duros entre as tendências. De fato, o que há é a preservação do canal de diálogo.
Porém, esse diálogo é um aprendizado, um caminho. Foi somente nas proximidades do 7º Encontro Nacional que o Diretório Nacional aprovou a regulamentação ainda em vigor sobre o assunto, a qual afirma:
“A Tendência interna caracteriza-se por submeter-se ao programa e não às resoluções do PT, por reconhecê-las explicitamente como partido estratégico na construção do socialismo e por diferenciar-se nas propostas alternativas ou complementares relacionadas com aspectos parciais da política, da estrutura ou do funcionamento do partido”.
O que é vedado às Tendências é terem expressão pública exterior ao partido. Elas podem publicar seus boletins, manter escritórios e sedes próprias e realizar campanhas de arrecadação financeira, mas permanecem obrigadas a manter suas obrigações partidárias e obedecer às deliberações do partido – e não as que forem determinadas por seus alinhamentos internacionais.
De qualquer maneira, como o jogo político não é estático, as tendências sofreram, ao longo dos últimos 20 anos, modificações importantes. Enfrentaram processos internos que modificaram qualitativamente suas posições e engendraram novas correlações de forças. A conjuntura internacional, com a crise do Estado Soviético de 1989-91, também contribuiu bastante para a reorganização das Tendências.
O que permanece interessante é perceber que o diálogo, qualquer diálogo (e em nada importante se ele é pacífico ou agressivo), se produz entre entidades heterodoxas, e que esse fato, banal de toda forma política, só é obscurecido quando ocorre o interesse de cessá-lo - um interesse autoritário por sua própria natureza.

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