Os 19,4% dos votos em Marina, no primeiro turno, são um patrimônio político inesperado e considerável. Ao olhar para eles, os analistas políticos de todo o Brasil estão se perguntando: a que se devem?
Em geral, concordam em um ponto: não se devem a nenhuma “onda ecológica”. A divergência está em definir se esses votos vieram de setores evangélicos da sociedade, tendo sido motivados por (mais) uma campanha difamatória veiculada na internet e por panfletos, que vinculava Dilma a posições favoráveis ao aborto ou se eles vieram de um posicionamento de massas de protesto quanto aos dois principais candidatos e que encontrou abrigo na postura ética traduzida por Marina.
A primeira dessas idéias é frágil. Não se sustenta.
As pesquisas indicavam que Marina teria cerca de 15% dos votos. Teve cerca de 20%. Esses votos não vieram de Serra, que ficou no patamar dos 30% previstos. Eles vieram de Dilma. Seu perfil é o seguinte: um voto de classe média urbana, com predomínio jovem.
Minha leitura é a seguinte: É um fenômeno de aglomeração de votos, que reúne os votos realmente verdes, a esquerda light, votos anti-Dilma vindos da própria esquerda, votos desencantados com o Serra e, sobretudo, votos de protesto quanto a um processo eleitoral no qual não houve debate.
Para mim, como já falei aqui, estas eleições foram, sobretudo, pobres de debate. De um lado, os governistas centraram seu discurso na idéia de avanço do “momento Lula”. A oposição, por sua vez, optou pelo denuncismo mais vazio.
Penso que o voto em Marina foi dado por uma classe média que quer conversar. Que se recusa a aceitar a a redução da política ao marketing.
A postura ética da candidata, ao longo da disputa, encorajou esse voto e traduziu, o anseio de uma parte considerável da população que deseja discutir, debater projetos. Provavelmente, que concorda que o projeto Lula é um bom projeto e que o país está no caminho certo, mas que se recusa a ser reduzida a massa eleitoral.
Esse setor da sociedade percebe que PT e PSDB centralizam projetos diferentes para o país e acha que vale à pena discuti-los.
Vê a polarização como benéfica para o debate público.
A campanha Dilma foi bonita. O rádio estava impecável. A televisão estava cinematográfica. A organização da agenda, da política, da produção estavam milimetricamente coordenadas.
Porém, a meu ver, a camapnha Dilma e o PT erraram quando se omitiram de pautar o debate realmente político com os tucanos.
Não soube colocar na agenda pública o debate sobre o fato de que o Brasil se tornou menos injusto e menos desigual com o governo do PT.
Penso que para ganhar “com honra”, o PT deve partir para o debate. Deve pautar Serra, trazê-lo para seu campo de batalha. Cobrar dele o seu projeto de país.
Infelizmente, o PT, até agora, optou pelo visual sem texto. Fez uma campanha despolitizada. Sua estratégia esteve centrada na idéia de que bastava comunicar os bons resultados sociais e econômicos do governo Lula para garantir a vitória em primeiro turno. Acreditou que bastava saber escutar o desejo de continuidade, pleno na sociedade brasileira atual e transmitir a percepção de que Dilma traduzia essa continuidade. Isso foi feito de maneira extremamente competente pela equipe de marketing político de João Santana. Mas... eis que o voto em Marina faz-nos ver que o marketing vazio já não dá resultados. É preciso política. Política verdadeira. Debate de idéias, posições e projetos. O voto em Marina traduz essa percepção. É bom ouvir o recado. Essa é a mensagem que o PT deve ter humildade para ouvir.
Comentários
Talvez a votação de Marina esteja aí para nos mostrar que existe outra maneira de pensar o futuro do Brasil, que existem maneiras diferentes do pensar político. É um momento muito interessante para se observar, se nos despirmos de preconceitos e de parcialidade partidária, e vermos que o Brasil se quer outro.
Os projetos do PT e do PSDB não são os únicos, mas são os principais. E o fato de que estarão disputando o 2o turno exige que encaremos a coisa dessa forma. Quanto ao projeto de Marina, tenho duas coisas a acrescentar: 1) Penso que não é o mesmo do PV, mas que, com o tempo, tem chance de qualificar em muito o projeto do PV; 2) É um projeto justo e que merece ser ouvido e debatido. Então veja bem, no meu post eu estive referindo um percentual de cerca de 5% dos votos válidos nas eleições, que se deslocaram em direção à candidatura da Marina. Esses votos, me parece, tiveram um comportamento específico, tal como descrevi. Para além deles, temos que considerar, sim, que Marina teve uma votação expressiva, cativada por seu projeto: 15% de todos os votos da eleição. Esses 15% merecem um artigo à parte.
Muito interessante o artigo. Também acredito que os votos para Marina não tem haver apenas com uma "onda verde" (que para mim, muito mais que um modismo, se configura como o início de um processo de formação de consciência ambiental na sociedade), mas sim, com uma parcela da população que deseja uma alternativa de fato, um debate consistente. Incluindo-me como uma dessas pessoas, me pergunto quais os rumos deste modelo de desenvolvimento que petistas e tucanos têm pensado pro nosso país, passando por cima de ecossistemas, populações tradicionais e mais uma série de outras questões relegadas a segundo plano no debate político, resgatadas por Marina Silva nesta eleição. Para mim, o papel principal que esta mulher teve foi o de trazer a luz das discussões e trazer para a pauta, questões ignoradas e muito relevantes. Afinal, que propostas específicas para a Amazônia foram debatidas nas eleições de 2006? Nossa região praticamente não foi citada, pois quando se pensa em desenvolvimento neste país, só servimos para sediar hidrelétricas...