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Para discutir a publicidade de bebidas alcoólicas

O artigo abaixo, publicado hoje em O Globo, merece atenção: 

Coragem para interferir 

Paulo Pimenta 

Passado o período do carnaval, os jornais brasileiros dividiram os destaques de suas páginas e editoriais entre os sambas-enredo vitoriosos e a situação de tragédia que se viu pelas estradas de nosso país. De hora em hora, a mídia atualizava o "placar" das vítimas, que aumentou em quase 50% em relação a 2010. 

A alegria dos desfiles contrasta, todo ano, com a dor daqueles que, após a Quarta-Feira de Cinzas, estão de "ressaca" pela morte de seus familiares. "Estradas nunca mataram tanto como neste carnaval", trouxe a edição de 11 de março, do GLOBO. A seguir, as estatísticas: 4.165 colisões, 2.441 feridos e 213 mortes nas estradas federais. 

Em 1996, o Parlamento aprovou lei que restringiu a publicidade de cigarro e de bebidas, como o uísque, a cachaça e outras. Entretanto, no texto do projeto, também estavam previstas restrições à propaganda da cerveja. Na época, as agências de publicidade trouxeram para o Salão Verde da Câmara cantores, artistas e desportistas conhecidos, e esse grupo de "especialistas" convenceu a sociedade de que era preciso colocar uma vírgula no projeto, excluindo a cerveja das restrições. E assim foi feito: o Congresso foi tolerante com a propaganda de cerveja. 

De lá para cá, assistimos a uma queda no número de fumantes e a um aumento no consumo e na produção de cerveja, que cresceram em mais de 100%. Conforme dados do Ministério da Saúde, o índice de fumantes no Brasil, que entre as décadas de 80 e 90 era de aproximadamente 30%, hoje apresenta taxa de 15,5%. O Brasil passou a ser um dos países do mundo com maior velocidade de queda no número de fumantes. Especialistas em cardiologia são unânimes em afirmar que esse fator positivo é resultado da restrição da publicidade do cigarro. 

No mundo, cerca de 1,3 milhão de pessoas morrem vítimas de acidentes de trânsito por ano, e o gasto com saúde pública anual para esses casos é de aproximadamente R$100 bilhões. No Brasil, são 60 mil mortes por ano, embora a estimativa seja o dobro em virtude de só entrarem para estatísticas as vítimas que perdem a vida no local do acidente. Os feridos são cerca de 500 mil e as despesas médico-hospitalares e previdenciárias no país são de R$40 bilhões por ano. 

Os mortos na maioria são jovens, homens, perderam a vida nos finais de semana e no geral beberam, e beberam muito. Pesquisa do Programa de Álcool e Drogas da UFRJ mostrou que o álcool está presente em 75% das mortes no trânsito. 

Em 2010, a Organização Mundial da Saúde aprovou estratégia para conter essa violência. Em texto assinado por 193 países, foram propostas medidas para pôr fim a essa mortandade, como o aumento da tributação da cerveja e a restrição à propaganda da bebida. 

Em muitos países, a propaganda de bebidas é regulamentada. Na França, ela é proibida na TV, e as mensagens publicitárias permitidas referem-se à qualidade do produto, com ênfase em sua origem e composição. No Brasil, o Conar, timidamente, orienta para que não se vincule a publicidade das cervejas a esporte, carros, mulheres, sinal de maturidade. Não é o que vemos por aí. 

O Congresso não pautará essa matéria se não for pressionado pela sociedade, que por sua vez depende da mídia para se fazer ouvir. Tenhamos a mesma coragem que tivemos com o cigarro. Certamente, as estatísticas após esse período serão motivo de orgulho. 

Comentário do Hupomnemata: 

A sociedade civil deveria cobrar, à classe política, a adoção do sugerido no artigo. A publicidade de bebidas alcoólicas deveria, na verdade, ser proibida a qualquer momento, mas muito especificamente, se isso não foi possível, durante o carnaval e outros feriados. Não é questão de censura, é questão de bom senso. E de saúde pública. Além disso, o governo deveria multiplicar a publicidade de utilidade pública sobre o assunto. Para isso, é necessário que organizações civis fortes se unam e encabecem o movimento.

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