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Um balanço do Fórum Social Mundial de 2011

Reproduzo análise de Katu Arkonada sobre o FSM de 2011:
Um balanço do Fórum Social Mundial de 2011
Por Katu Arkonada
O recentemente finalizado Fórum Social Mundial nos deixou, uma vez mais, sensações agridoces. Provavelmente de uma maneira que nunca antes se havia visto os limites e contradições do sistema do Fórum, de um processo em crise tratando de encontrar seu espaço e caminho.
O principal elemento positivo é a realização novamente na África, depois da experiência falida do Quênia em 2007, realizando-se desta vez em Dacar, Senegal, que foi durante mais de três séculos o mais importante mercado de escravos, com mais de vinte milhões de africanas e africanos seqüestrados e transferidos em regime de escravidão aos Estados Unidos e ao Brasil principalmente, e, portanto, um berço simbólico de muitas lutas.
A mobilização foi importante nesta edição do Fórum, com mais de 50 mil pessoas na marcha inaugural e participando das centenas de debates, que apesar do caos organizativo, puderam ser levados a cabo. Doze caravanas partiram de diferentes países do oeste da África e da África central para finalmente se unirem em Dacar. Mais de cem intérpretes e centenas de jornalistas ajudaram a realização dos debates, bem como a dar visibilidade a um Fórum que não tem uma relevância especial para a grande mídia mainstream. De qualquer forma, o papel da diáspora teve uma centralidade como nunca antes havia tido em um Fórum Social Mundial.
Principais pontos do debate
Mulheres, camponeses ou imigrantes foram as e os protagonistas de 12 eixos temáticos, com um elemento central na discussão da crise da civilização, a desmercantilização da vida e o desenvolvimento, assim como os Direitos Coletivos dos Povos e os novos paradigmas civilizatórios. Debates que se encerraram com 38 assembleias de convergência para a ação sobre os diferentes pontos em debate. Assembleias sobre migração, crise econômica, militarização, Palestina e alterações climáticas, permitiram articular diferentes organizações que trabalham os temas citados. Destaca-se a decisão de celebrar uma segunda Conferência dos Povos frente às alterações climáticas nas semanas anteriores ou posteriores ao COP17 de Durban, África do Sul.
As revoltas populares no norte da África, na Tunísia e especialmente no Egito, estiveram muito presentes durante o desenrolar do Fórum. Neste sentido, o direito de autodeterminação para todos os povos do mundo foi reivindicado, cobrando-se especial relevância ao do povo saaráui (habitantes do Saara), boicotado e agredido fisicamente pela delegação do Marrocos, delegação esta suspeita de ter sido enviada pelo governo marroquino e não em representação dos movimentos sociais magrebinos.
Especialmente relevantes no que tange a articulação política de organizações e redes da África, Ásia e América Latina, foram os debates organizados pelo Fórum do Terceiro Mundo e pelo Fórum Mundial das Alternativas, girando em torno de questões e conceitos muito relevantes para o Sul, como por exemplo, repensar a democracia e o desenvolvimento, as contradições da industrialização, o uso e controle geoestratégico dos recursos naturais ou as cooperações Sul-Sul.
Outro foco central de debates foi a tenda dos Direitos Coletivos dos Povos, onde nações sem estado que resistem na periferia do Norte, como palestinos, curdos, saaráuis e bascos, dialogaram e articularam politicamente com o movimento indígena, especialmente representado pelos povos andinos do Abya Yala, em uma continuação do caminho iniciado no Fórum Social Mundial anterior, em Belém do Pará. Nas palavras de Joel Kovel, acadêmico e ativista estadunidense e autor do manifesto Ecosocialista, é o quarto mundo, o dos povos indígenas e nações sem estado, quem lidera a frente ecosocialista de crítica e resistência ao capitalismo.
Assembleia de Movimentos Sociais
Como é habitual, os movimentos sociais e redes que querem ir mais além de simples debates convocaram para si mesmos uma assembleia de movimentos sociais, da qual saíram com um manifesto que aponta quatro elementos-chave para o debate. Em primeiro lugar, uma crítica estrutural ao sistema capitalista e às transnacionais depredadoras, em defesa da soberania dos povos e do cancelamento da dívida dos países do Sul. Neste sentido, reivindica-se a justiça climática e a soberania alimentícia, defendendo o Acordo dos Povos surgido da Cúpula de Tiquipaya, em Cochabamba, Bolívia. Outro ponto a ser destacado é a luta contra a violência a mulher e contra qualquer discriminação. Finalmente, se faz um chamado a lutar pela paz e contra a guerra, o colonialismo e a militarização de nossos territórios.
A declaração da Assembleia dos Movimentos Sociais finaliza com um chamado a que todos se mobilizem em duas datas-chave. O dia 20 de março, inspirado nas lutas de Tunísia e Egito, foi declarado o dia mundial de solidariedade com o levante do povo árabe e africano que, com suas conquistas, contribui com a luta de todos os povos: a resistência do povo palestino e saaráui, as mobilizações européias, asiáticas e africanas contra a dívida e o ajuste estrutural e todos os processos de mudança que se constroem na América Latina. Além disto, o dia 12 de outubro foi declarado o dia de ação global contra o capitalismo.
Conselho Internacional
Frente à força e o dinamismo de uma assembléia de movimentos sociais com mais de 2 mil participantes aprovando a declaração final, o Conselho Internacional reunido nos dois dias posteriores ao fim do fórum, mostra novamente os limites e incapacidades do Fórum.
Um Conselho Internacional repleto de instituições e ONGs, distantes das lutas reais, que fez um balanço positivo, mas o mais grave, autocomplacente, do fórum recém finalizado. Conselho Internacional este que não soube assumir responsabilidades nem dar soluções aos numerosos problemas surgidos durante o fórum, como a agressão marroquina aos irmãos saaráuis, e enquanto as pessoas se auto-organizavam para levar adiante os seminários, alguns de seus integrantes preferiram deixar de lado o caos africano do campus universitário para ir ao centro da cidade, às sedes de diversas fundações européias, para continuar seus debates.
Conselho Internacional no qual se teve que ouvir críticas por parte de alguns de seus membros à presença do companheiro presidente do Estado Plurinacional da Bolívia, Evo Morales, que ante de ser presidente foi participante em diferentes fóruns como dirigente de movimentos sociais bolivianos, enquanto uma boa parte da delegação brasileira viajou ao Senegal financiada pela multinacional imperialista Petrobras.
Agora, o que?
Diante do colapso do processo do fórum, devemos nos fazer algumas perguntas. Em primeiro lugar os movimentos sociais devem movimentar a indústria do Fórum sobre seu controle, ou pelo menos equilibrar o controle hegemônico que ONGs e diversas instituições fazem do Fórum.
Neste sentido, o Fórum deve permanecer no Sul, frente a algumas tentativas de levá-lo ao norte geopolítico, somente partindo das periferias e das lutas das e dos subalternos se podem construir resistências e alternativas políticas.
E sim, se esta edição do Fórum Social Mundial serviu novamente para demonstrar a positiva capacidade de ponto de encontro global onde os movimentos e povos em luta se encontram e aproveitam deste espaço para suas próprias articulações políticas, deveríamos pensar em formas de encontro complementares, mas por sua vez alternativas ao Fórum Social Mundial. Enquanto o Fórum se reinventa, devemos impulsionar a articulação Sul-Sul, dialogar e articular politicamente entre movimentos e intelectuais, mas também partidos políticos e governos aliados, para construir alternativas advindas do Sul, e para o Sul.
Por último, gostaria de recordar as palavras do companheiro cubano Aurelio Alonso, que em uma mesa de debate que compartilhamos em Dacar, nos lembrou sabiamente que contradição é um conceito ao qual não podemos renunciar jamais.
Katu Arkonada participou no Fórum Social Mundial de Dacar como convidado do Fórum Mundial de Alternativas e do Fórum do Terceiro Mundo.
Tradução de Cainã Vidor. Publicado por Rebelion.

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