Tottenham, Hackney, Enfield e Brixton são bairros menos privilegiados de Londres. Acumulam um índice elevado de desemprego e uma pirâmide social larga no números de jovens. Esses bairros centralizaram – e depois canalizaram – a explosão de violência da semana passada.
Tudo começou quando Mark Duggan, um jovem pai de família, negro, desempregado, foi morto a tiros pela policia londrina. Uma cena de abuso de poder evidente. A policia alegou que Duggan trocou tiros ao receber voz de prisão. Testemunhas dizem o contrario, o que é corroborado pelo fato de que Duggan não possuía, e jamais utilizou, armas de fogo.
Seguiu-se uma onda de violência popular que se espalhou por diversas áreas da cidade, como Lewisham (sudeste de Londres) Peckham, Croydon, Clapham (sul) e Ealing (oeste). E que chegou a Oxford Circus, o centro rico e turístico de Londres.
Tudo lembra muito os acontecimentos de Paris de 2005, quando dois adolescentes muçulmanos (Bouna Traore, 15 anos, e Zyed Benna, 17 anos) morreram eletrocutados ao entrarem numa casa de força de um prédio, para evitar uma batida policial. A cena começou num subúrbio parisiense semelhante a Tottenham e Hackney: Clichy-sous-Bois. Seguiu-se uma explosão de violência que durou vários dias e incendiou centenas de carros, ônibus e alguns prédios. Tal como em Londres.
Também foi semelhante a reação do poder público nas duas cidades. Ambos os primeiros ministros, Nicolas Sarkozy e David Cameron, ambos conservadores, qualificaram os manifestantes de ‘’doentes’’ e “vândalos”.
Essas semelhanças são dignas de nota. Elas indicam um padrão que parece se tornar comum na sociedade contemporânea. Uma nova forma de associacionismo. Uma nova forma de troca social, de vinculo social. Eventualmente, uma nova forma de configuração do espaço público.
Curioso é como se trata de uma situação facilmente qualificada como vandalismo pelos políticos conservadores. Embora tenha um componente dessa natureza, o problema não pode ser simplificado dessa maneira. Ele é bem mais grave que isso, justamente porque possui essa dimensão gregária como um dos seus componentes.
Um dos fatores impulsores, ao menos no caso londrino, parece ser a ausência de políticas sociais de natureza cultural e associativa capazes de fornecer, aos jovens e aos adultos desempregados, um espaço de diapasão.
No caso inglês, esses espaços existiam, mas foram destruídos pelo neoliberalismo tatcherista, sem que os governos trabalhistas seguintes fizessem qualquer coisa para reverter o quadro. Eram os antigos centros comunitários, casas mantidas pelo governo e que envolviam toda a comunidade, que se encarregava de manter o espaço.
Um exemplo disso apareceu no filme Billy Elliot, bem conhecido de todos. As aulas de boxe e de balé, bem como as reuniões dos grevistas e a festa de natal da comunidade aconteciam, sempre, numa dessas casas comunitárias.
O governo passou a considerá-las como locais de insurreição popular e começou a fechá-las. Hoje poucas existem. Antes, eram lugares onde as pessoas podiam encontrar alguma solidariedade e fazer diversos cursos que ampliavam sua qualificação para encontrar emprego.
O resultado disso, sociologicamente falando, foi que muitas dessas pessoas, sobretudo os jovens, passaram a se encontrar na rua. Na rua, um espaço no qual não há cursos – exatamente – de capacitação, como se sabe.
E as ruas de Londres são violentas. São perigosas, cheias de gangues. Há brigas por todos os lados, praticadas como uma espécie de esporte nacional.
Em Paris dava-se o mesmo processo, de corte no financiamento dos centros de lazer comunitários. Parece ter sido uma das razões para o que aconteceu lá em 2005. Tanto que o governo reduziu esses processos, apos os incidentes.
Eis aí algo sobre o que refletir: a importância das políticas culturais (que também são políticas de formação e qualificação, políticas de lazer, de esporte e de educação) como estratégia de promoção social.
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