No último mês de julho - e parte de agosto - habitei Toronto, a maior cidade do Canadá. Fui participar de uma atividade acadêmica nos cursos de verão da University of Toronto. Levei a família e aproveitei para fazer – para fazermos, Marina, Pedro e eu – cursos de inglês. Prometi contar umas coisas sobre Toronto e aqui começo a tarefa. A série de posts “Crônicas Canadenses” narram um pouco do que vi e experimentei. História de dizer como é o Canadá, ao menos no verão; uma visão parcial, mas sincera, sobre umas coisas de lá. Seguem as “Crônicas Canadenses”.
Crônica 1
Lições de Toronto
Toronto, já vos disse, é uma cidade estelar. Com isso quero dizer que ela se projeta em direção a algum futuro particular.
Sim, todas as cidades o fazem, obviamente, mas, talvez, não com a mesma resolutividade. O intrigante é que trata-se do seu próprio futuro, é claro, mas não apenas: de certo modo, parece construir um projeto comum ao mundo globalizado.
É que há, em Toronto, uma dimensão utópica que não lhe é privativa – e que realiza algum projeto forjado coletivamente por alguns atores e autores. Toronto é uma cidade utópica. Não a utopia clássica de cidade: nem as bastides, nem os falanstérios; nem Morus, nem Corbusier.
Diria que se trata da utopia de uma cidade global. Não apenas por seu multiculturalismo, o que é latente, mas por sua disposição em viver-junto, o que significa pensar em políticas públicas que não apenas tenham a tolerância como valor mas que, efetivamente, sejam políticas de tolerância.
Essa questão se situa no campo das políticas culturais, o que pode ser muito difícil de aceitar pelos que pensam política cultural como, exclusivamente, programas de governo nos domínios da produção artística e da proteção do patrimônio.
As transformações em curso na sociedade contemporânea criam não apenas uma sociedade global mas, também, uma sociedade múltipla. Por dois motivos: primeiro, porque não há apenas uma forma de globalização, mas muitas, múltiplas e conflitantes. E, em segundo lugar, porque, paradoxalmente, a globalização gera uma série de fenômenos contraditórios de valorizações das identidades e dos particularismos locais.
Em Toronto, todas essas transformações parecem ter espaço para vicejar. Lá, os conflitos que costumam decorrer de todo encontro cultural parecem ter mais óleo a arrozar sua fricção. Não consigo imaginar um projeto mais coeso de interculturalidade – o que não quer dizer que não haja confrontos e situações de crise, bem entendido – porque é a primeira vez que vejo a interculturalidade estar na base, nos próprios paradigmas da sociedade, e não como uma proposta teleológica, bela desejada, mas também distante.
Penso que essa cidade tem lições de tolerância a passar ao mundo. É preciso entender Toronto.
Crédito das imagens: Rashomon, fotógrafo de rua de Toronto.
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