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Crônicas canadenses 2: Contradições e contravenções em Toronto

Crônica 2
Contradições e contravenções em Toronto

Apesar de seu dinamismo econômico, Toronto é uma cidade calma. As pessoas são gentis e respeitam o espaço do outro. Tudo bem, tem uns velhinhos orientais exasperados e uns adolescentes hiperexcitados falando dramaticamente ao celular, mas que é isso comparado aos inúmeros parques, à segurança de usar o notebook num banco de rua às duas da manhã e à gentileza dos policiais, que, como na música, seems so pleased to please them?
Enfim, não tive problemas com qualquer tipo de violência. Em Toronto fiquei o mês inteiro num hotel muito bem localizado, numa área muito boa da cidade: as proximidades do cruzamento entre a Sherbourne St e a Bloor Avenue, a meia quadra da estação de metrô Sherbourne. Um local absolutamente seguro.
Porém, um dia peguei um ônibus com o objetivo de descer a Sherbourne até o seu cruzamento com a Dundas St, creio que a uns 2 km de onde estava. Lá chegando, justamente a esse cruzamento, percebi que havia um clima mais pesado no ar. Nada de mais, mas dava para perceber uns olhares – digamos que ...alternativos – em minha direção. Alternativos no sentido de que há almas, no mundo, interessadas no conteúdo de nossa carteira e mochila. E, talvez, olhares amarelos, sinistros, que nem aqueles que aparecem em desenhos animados sob fundo escuro.
Os sintomas eram evidentes: venda de droga dissimulada; uns sem-abrigo empurrando um carrinho de supermercado com seus pertences; um junkie embriagado; um policial estranhão olhando meio de soslaio e batendo o cacetete na mão e, bem, outra vez minha mulher viu, por lá, uma mulher sem nariz.
Nada aconteceu, afinal. Mas fui me informar e acabei descobrindo que esse cruzamento é o quarto lugar com maior índice de criminalidade de Toronto. Algo como... bem, algo como o bairro de Nazaré, em Belém.
Os outros locais perigosos são o cruzamento das ruas Jane & Finch (no bairro de North York), Keele & Eglinton (idem) e Albion & Finch (em Rexdale). Porém, esses três outros lugares ficam fora do centro, o que quer dizer que fui parar na região com maiores índices de criminalidade do centro de Toronto, segundo dados policiais do ano de 2009. E, repito, mesmo assim, não parecia um lugar realmente sinistro, desses que sentimos algum risco iminente. Ah, e esse índice de violência registra a última morte decorrente de ato de violência, por exemplo, em 2004, ou seja, seis anos atrás. Uma violência, portanto, relativa.
Dali a duas quadras na direção leste se chega a Jarvis St, onde têm lugar comércios excusos, de cassinos clandestinos a prostíbulos de segunda, mas – como verifiquei – os índices de violência são, nesse ponto, ainda mais singelos.
As razões para a violência na esquina Dundas & Sherbourne? Bom, também descobri: ali se encontra o maior abrigo para “sem-tetos” de todo o Canadá, o Seaton Home, um lugar com 434 vagas para homens, exclusivamente.
O estado vem desenvolvendo políticas fortes de inclusão social nessa região da cidade: programas de assistência social e construção de condomínios, por exemplo. A idéia, na verdade, é concentrar indivíduos com problemas com drogas, alcoolismo, vício em jogo, etc, numa área relativamente estreita de modo a facilitar a eficácia das estratégias de tratamento dessas pessoas. Ao mesmo tempo, se procura atrair, para o mesmo local, uma classe média tranquila e estabelecimentos comerciais, de modo a romper com as estigmatizações que esses indivíduos sofrem e possibilitar sua inserção social por meio do emprego. Os estabelecimentos comerciais que os empregam, sempre com assistência do estado, recebem isenções de imposto e outras vantagens.
A idéia básica é não excluir nunca, não importa a dificuldade; mas sim incluir. Sempre. E, aos poucos, a criminalidade tem sido reduzida.
Ainda que outros problemas surjam.
Como os percevejos. Não se sabe bem a razão mas há três anos esse bairro vem sofrendo uma epidemia de percevejos, os bedbugs. Uma epidemia que, na verdade, tem infestado a América do Norte inteira e que entrou em Toronto por lá. Os insetos têm se espalhado pelos novos condomínios do lugar, que não são, a princípio, espaços decadentes – bem ao contrario: são prédios novos, a maioria habitada por essa classe média à qual me referi. Não se conhece as causas, enfim, das epidemiais, mas o prédios infestados cronicamente pelos insetos são até marcado com um aviso da prefeitura. Na verdade, há uma associação que disponibiliza um site para as pessoas que pretendem comprar ou alugar imóveis em cidades da América do Norte verificarem o “índice” de percevejpos que habitam as proximidades do lugar escolhido. Para quem não tiver nada melhor para fazer e se interessar por essas curiosidades, basta seguir por aqui: BedBug Registry.
Crédito das imagens: Rashomon, fotógrafo de rua de Toronto.

Comentários

Betinho disse…
Pô Fábio, quase tu te fode, irmão! Kakkkkakk...
Anônimo disse…
Puxa, olhando esse mapa que indicaste vejo que as casas nos EUA devem estar uma fedentina só.... ;)
Marise Morbach disse…
Fábio essa "curiosidade" é das melhores. Um dia desses linkei no Facebook um notícia sobre os venenos prá ratos, pois eles estão mais resistentes aos remédios. Essa pesquisa foi realizada com ratos europeus. Agora me vem você com os percevejos. Aqui nas nossas plagas são os mosquitos. Será que é processo de adaptação? Socorro!!
Andreza Oliveira disse…
Olha, políticas públicas à parte, esse negócio de percevejo (como é? bedbug, né?) tá uma graça. Imagina um anuncio de classificado de jornal garantindo que o apartamento oferecido é No-bedbug!!). E imagina o agente imobiliário mostrando pro cliente um mapa com os focos de percevejo da cidade...
Anônimo disse…
Interessante pensar na violência social dessa maneira. Aqui no Brasil a coisa é simplesmente um câncer que tem que ser expurgado. Qualquer política de recuperação ou de inclusão só consegue atingir as bordas do problema.
hupomnemata disse…
Fala Betinho, Todos escapamos todos os dias, caro.
hupomnemata disse…
Anônimo das 21h37,
O gráfico do site chega a ser desesperador.
hupomnemata disse…
Oi Marise,
Parece, né? Olha, tenho um primo que mora em Lisboa que me disse que faz mais de 60 anos que a prefeitura local usa o mesmo raticida, um tal de Ratol. Resultado: já virou vitaminazinha pros ratos. Está ficando difícil...
hupomnemata disse…
Olá Andreza,
São as perversões da vida contemporânea...

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