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Crônicas canadenses 3: A economia da imigração

Crônica 3
A economia da imigração
Os dados mais recentes indicam que o Canadá possui 34,2 milhões de habitantes e que 1, em cada 5 deles, nasceu em outro país. Trata-se, assim, de um país de imigração, aberto à vinda de estrangeiros e, necessariamente multicultural. Mas qual a natureza dessa imigração e desse multiculturalismo?
Eis aqui uma questão que é para mim do maior interesse. Quando morei na França percebi a importância da mão-de-obra imigrante para o país, mas no Canadá deu para ver, logo, que esse processo tem uma natureza diferente. Enquanto na França, bem como em outros países e europeus e nos Estados Unidos a necessidade é por mão-de-obra pouco qualificada e barata, no Canadá se dá o inverso: a demanda é por mão-de-obra especializada e “cara”.
Isso ocorre, a meu ver, porque o país precisa intensificar a exploração e o beneficiamento de seus recursos naturais, que são muitíssimos. Eles tem recursos naturais, capital de investimento, crédito abundante para o escalonamento da produção, energia, tecnologia e capacidade de instalação rápida de infra-estrutura. O que lhes falta é mão-de-obra técnica capaz de intensificar essa produção: engenheiros, biólogos, químicos, etc. E, num plano decorrente desse, toda uma gama de agentes sociais capazes de dar sustentação, por meio de serviços públicos, para a máquina de exploração que estão criando, como médicos, professores, assistentes sociais, etc.
Então, a mão-de-obra que o Canadá precisa é bastante diferente daquela que interessa – ou interessava, entre os anos 1960 e 1990 – para outros países ricos. É um caso diferente, que precisa ser compreendido como tal. Não que somente a mão-de-obra qualificada seja necessária – longe disso – mas é que a política de imigração é construída a partir de um jogo de equilíbrio entre a demanda nacional pela intensificação da produção e a oferta de trabalhadores.
Pois é à partir daí que se criam condições extravagantes, a nosso ver, para conferir nacionalidade aos atores internacionais interessados: basta dois anos, ainda que descontínuos, para ter direito de reivindicar a cidadania, por exemplo. Para se ter uma comparação, a lei francesa estabelece um prazo de 5 anos de moradia contínua no pais e desde que se preencha uma série infindável de requisitos, que incluem de condições físicas à lista de empregos que você teve, por lá, durante esse tempo.
Em algumas circunstâncias, não exatamente corriqueiras, mas, de fato, existentes, se você espirrar, corre o risco de se tornar canadense. Um exemplo pessoal: para passar 40 dias lá eu solicitei um visto básico, de três meses de duração. Mas recebi um visto de cinco anos, o máximo de tempo autorizado num passaporte pelos consulados canadenses. Ou seja: eles estão facilitando a coisa, para mim, se por acaso eu desejasse me estabelecer no país.
Dessa maneira, as condições de imigração para o Canadá são amplamente favoráveis para quem possui estudos superiores e pós-graduados, mas, da mesma forma, muito difíceis para o cidadão sem capacitação técnica.
Mas nem tudo é fácil, é óbvio.
Mesmo porque o governo atual é conservador, e tende, simplesmente por motivos ideológicos, a reduzir os números da imigração, mesmo que da imigração altamente qualificada.
Alguns dados explicitam a situação precisamente atual e que deve se prolongar pelos próximos anos e, talvez, pela próxima década: Entre janeiro e março de 2010 entraram no país 84.083 imigrantes. No mesmo período de 2011 esse número caiu para 63.224, uma queda de 25%. Para refugiados políticos o número de visas emitidos caiu 25%. Para trabalhadores qualificados, caiu 28%. Para familiares de imigrantes já estabelecidos caiu 14%.
Essa redução se dá porque os conservadores venceram as eleições de maio de 2010 e, tão logo assumiram, anunciaram um corte de 4 bilhões de dólares na sua política de imigração. Seu compromisso é estabelecer algumas barreiras sólidas, dificultando a imigração.
Em 2010 o país aceitou 280 mil imigrantes. Foi o recorde histórico. Em 2009 foram recebidos 265 mil. A média anual é de 250 mil imigrantes, o que significa 0,8% da população nacional. É um número calculado. Não é de modo algum aleatório. É a quantidade certa de imigrantes que o país precisa e que pode sustentar. Ou seja, trata-se de uma equação cuidadosamente acompanhada.
Crédito das imagens: Tong Lam, fotógrafo de Toronto.

Comentários

Anônimo disse…
Aiii, mas como eles são inteligentes!!! quero arrumar as minhas malas e vagar por lá.
Carlos Dopazzo disse…
Fala Fábio,
Muito legal essas crônicas sobre o Canadá. Essa sobre a imigração, então, é esclarecedora, porque a gente sempre imagina a imigração para outro país como um ato de desespero, que só é possível para pessoas que já não tem nada a perder. Costumamos imaginar os imigrantes como pessoas dispostas a todo tipo de serviço, como faxina, construção civil, etc. Saber que não é só isso, que existe demanda por trabalho mais qualificado, chega a ser surpreendente, ainda que seja, como você diz, um processo que está meio ameaço pela política conservadora do país.
Quiça uma migração dessa qualidade aqui prá nossa banda! Legais as crônicas; começo a pensar em um pós-doc por lá; longe dos percevejos, é claro!

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