Crônica 5
Aventuras entre livros
Procurar livrarias, preferencialmente as de livros antigos e usados, nas cidades que conheço, sempre é minha aventura mais pessoal e mais transcendental em minhas viagens. Com mais de um mês para explorar Toronto, percorri a cidade em todas as direções, sobretudo quando percebi que jamais tinha encontrado um lugar com livros vendidos a preços tão interessantes quanto Toronto. Como uma livraria leva a outra, tal como um livro leva a outro e uma história leva a outra, acho que dava para escrever um livro inteiro falando das minhas aventuras por lá.
Mas não iremos longe. Tratarei de resumir essa ópera. O fato é que enchi uma mala e meia com livros quando percebi que podia comprar preciosidades por 2 dólares. E não trouxe mais porque não tinha espaço – mesmo.
Dentre todas as livrarias de Toronto, a rede BMV merece destaque. São umas quatro lojas oferecendo livros e DVDs novos, mas com descontos que chegam a 60%. Não sei onde está o segredo, mas é um fato.
Já no campo dos livros usados, acho que conheci umas quinze, com destaque para o Eliot's Bookshop, localizado na Younge Street, poucos passos após o cruzamento com a Wellesley. São três andares de livros, com destaque para a ficção e para a história, mas com muito de tudo. Também vale pelo clima do lugar, de biblioteca antiga. Dá para passar algumas horas por lá.
Descendo um pouco a mesma rua (Wellesley abaixo, na direção do Dundas Square), tem uma impressionante livraria de quadrinhos, a One Million Comix. Ela tem de tudo, desde os anos 1920 para cá, com preciosidades embaladas em plástico especial e algumas relíquias protegidas em vitrines com chaves. Na verdade, só na Younge St contei seis livrarias especializadas em quadrinhos. Há várias na cidade, com destaque, ainda, para a Excalibur Comics, na Bloor com a Royal York e a intimidadora Hairy Tarantula (isso mesmo: tarântula cabeluda), localizada na Dundas Street, um lugar com um povo meio esquisito, mas simpático.
Mas, deixando de lado os quadrinhos e voltando aos sebos, preciso dizer que foi no Eliot's que encontrei um livro que procurava há mais de 20 anos e que só conseguira achar, à venda na internet, pela proibitiva quantia de 300 dólares: Finnegans Wake, de James Joyce. Pois bem, a Eliot’s me proporcionou a ventura de comprá-lo por 4 pequenos dólares. Quatro! No more. Impossível descrever minha sensação. Saí de lá com o coração saltitante, como um garoto que conquistou a África. Provavelmente nunca lerei esse livro – quem o conhece sabe porque – mas o fato de possuí-lo tem o valor de um fetiche sagrado.
Uma outra used bookstore que gostei, apesar de ter uma pequena coleção, foi a Monkey’s Paw, que tira seu nome de uma novela de terror notória de W. W. Jacobs. Apesar de pequena, a coleção é de obras extravagantes, dessas com tiragens limitadas ou tão bizarras que alguém se ocupou de destruí-la ou recolhê-la – e a Monkey’s Paw, por conseguinte, se encarregou de resgatar alguns exemplares para vender. Tem uma boa seção de Cultural Studies e outra de etnografia, além de um armário com obras “anotadas”, ou seja, todas rabiscadas por seus antigos leitores. E é preciso referir a seleção musical de fundo, bastante agradável – além, é claro, da cortesia do proprietário, que é também o único funcionário da loja, um sujeito interessante, com uma imensa cultura livreira.
Outros vários sebos me chamaram atenção: She Said Boom e Balfour Books, por exemplo, ambos na College St; The Book Exchange e Decan Books, um ao lado do outro, na Dundas St West e uma infinidade de outras. Há uma cujo nome não recordo, mas que lembro ficar na Spadina St, a uma ou duas quadras da estação de metrô de mesmo nome, cuja proprietária, estranhamente, me cumprimentou por minha compra – no caso, o Travels with my aunt, de Grahan Greene e um Selected Short Stories, de Henry James, numa edição de bolso da Penguin. Quando paguei pelos livros ela os olhou prolongadamente, apalpou-os, como se estivesse se despedindo deles e me disse, com ar misterioso “Excellent choice! You bought a very very special book!”. Esse very very parece estranho, não? E ela ainda me lançou um olhar misterioso.
De início imaginei que o livrinho – o do Graham Greene, porque o do James me parece um tanto banal, é só uma coletânea, afinal – pudesse me conceder algum tipo de supernatural power, como flutuar ou ficar invisível, ou que ele fosse me transportar para uma outra dimensão da matéria, mas nada disso, de fato aconteceu – e olhem que eu sacudi o livro e até dormi com ele sob a cama, para ver se algo acontecia. Hoje estou persuadido de que a dona dessa livraria precisava mesmo é de um tratamento.
Comentários
Que prazer...
Bisous.
Esquece esse negócio de xamã, porque o Finnegans não é para ler. E, se for, não é para entender...