Pular para o conteúdo principal

Considerações sobre a não-divisão do Pará

E eis que o Pará continua unido, como era previsível. 

Não há nada de transcendental nisso, como alguns farão crer, mas é a decisão certa, do ponto de vista económico, politico e social. É a escolha mais sensata, ainda que imensas populações da regiões secessionistas, seduzidas por promessas mentirosas de que suas vidas iriam melhorar, no caso da divisão, pensem o contrário. 

O plebiscito deixa muitas lições. Faço algumas considerações ligeiras sobre elas: 

1. Os projetos secessionistas foram gananciosos e inexcrupulosos: tentaram abocanhar o que podiam ao remanescente Pará, e, principalmente por isso, perderam. Foram desmascarados nessa sua ambição. Aliás, duplamente desmascarados, porque o desmascaramento da ganância do desenho desvelou, em seguida, a máscara dos políticos por trás dos projetos, inexcrupulosos em seus interesses. 

2. Ficou evidente que os políticos do Sim contavam que somente as regiões separatistas fossem votar. Como a área remanescente também votou, como, aliás, foi legítimo, o projeto se configurou inviável desde suas origens. 

3. Essa esperteza dos políticos do Sim demonstram que projetos de redivisão territorial não devem, nunca mais, ser feitos por políticos. 

4. Propostas de divisão territorial devem partir de estudos sérios e consolidados, e devem levar em conta o equilíbrio geopolítico causado pela pretensa divisão territorial, não apenas nas áreas secessionistas e remanescentes, mas em toda a federação. 

5. Propostas de divisão devem ir, sempre, a plebiscito; é a única maneira de legimitar questões graves como essa. 

6. A sociedade civil deve participar mais amplamente do encaminhamento dessas questões. Deixar as decisões referentes às escolhas de comunicação, dos pleitos, nas mãos de políticos, amesquinha o debate. 

7. O debate sobre a divisão foi pobre e não ajudou a construir um projeto de futuro, um projeto de sociedade, para o Pará. 

8. Não obstante, houve um efeito de mobilização social importante nas regiões do Pará remanescente. 

9. A coesão social produzida pode caminhar para a catástrofe, se a tônica dominante continuar sendo pautada pela afirmação intolerante de uma pretensa identidade unitária, sólida e imóvel. 

10. A metafísica do “paraensismo” pode vir a ser o grande mal amazônico do século XXI, porque o plebiscito, tal como foi conduzido, a legitima. 

11. O debate político precisa ser pautado, na próxima década, por propostas de integração do estado. 

12. Integração não significa interiorização e nem municipalização. É preciso inventar novas fórmulas políticas e econômicas para o Pará. 

Tenho fé no futuro do Pará, mas também sou extremamente cético. Enquanto a politica for feita enquanto marketing ela será a encenação reducionista da banalidade. Enquanto a sociedade civil não consolidar novos espaços públicos para a interação e para a reflexão, a política será a arte da ignorância. Enquanto não houver, propriamente, uma ação comunicativa norteando a política, os discursos permanecerão vazios, sofistas, medíocres.

Comentários

Anônimo disse…
O que tu dizes de mais de 90% da população das regiões de Carajás e Tapajós votando a favor da criação de seus estados?
Como um "democrata de esquerda" vê o desejo de emancipação de outras regiões?
Bom, nosso Parazão continua grande, injusto, desigual; mas para quem gosta da coisa grande, está tudo certo.
Mas em matéria de tamanho, os amazonenses continuarão dizendo que o (estado) deles é maior...

Postagens mais visitadas deste blog

Eleições para a reitoria da UFPA continuam muito mal

O Conselho Universitário (Consun) da UFPA foi repentinamente convocado, ontem, para uma reunião extraordinária que tem por objetivo discutir o processo eleitoral da sucessão do Prof. Carlos Maneschy na Reitoria. Todos sabemos que a razão disso é a renúncia do Reitor para disputar um cargo público – motivo legítimo, sem dúvida alguma, mas que lança a UFPA num momento de turbulência em ano que já está exaustivo em função dos semestres acumulados pela greve. Acho muito interessante quando a universidade fornece quadros para a política. Há experiências boas e más nesse sentido, mas de qualquer forma isso é muito importante e saudável. Penso, igualmente, que o Prof. Maneschy tem condições muito boas para realizar uma disputa de alto nível e, sendo eleito, ser um excelente prefeito ou parlamentar – não estou ainda bem informado a respeito de qual cargo pretende disputar. Não obstante, em minha compreensão, não é correto submeter a agenda da UFPA à agenda de um projeto específico. A de...

Solicitei meu descredenciamento do Ppgcom

Tomei ontem, junto com a professora Alda Costa, uma decisão difícil, mas necessária: solicitar nosso descredenciamento do Programa de pós-graduação em comunicação da UFPA. Há coisas que não são negociáveis, em nome do bom senso, do respeito e da ética. Para usar a expressão de Kant, tenho meus "imperativos categóricos". Não negocio com o absurdo. Reproduzo abaixo, para quem quiser ler o documento em que exponho minhas razões: Utilizamo-nos deste para informar, ao colegiado do Ppgcom, que declinamos da nossa eleição para coordená-lo. Ato contínuo, solicitamos nosso imediato descredenciamento do programa.     Se aceitamos ocupar a coordenação do programa foi para criar uma alternativa ao autoritarismo do projeto que lá está. Oferecemos nosso nome para coordená-lo com o objetivo de reverter a situação de hostilidade em relação à Faculdade de Comunicação e para estabelecer patamares de cooperação, por meio de trabalhos integrados, em grupos e projetos de pesquisa, capazes de...

Comentário sobre o Ministério das Relações Exteriores do governo Lula

Já se sabe que o retorno de Lula à chefia do Estado brasileiro constitui um evento maior do cenário global. E não apenas porque significa a implosão da política externa criminosa, perigosa e constrangedora de Bolsonaro. Também porque significa o retorno de um player maior no mundo multilateral. O papel de Lula e de sua diplomacia são reconhecidos globalmente e, como se sabe, eles projetam o Brasil como um país central na geopolítica mundial, notadamente em torno da construção de um Estado-agente de negociação, capaz de mediar conflitos potenciais e de construir cenas de pragmatismo que interrompem escaladas geopolíticas perigosas.  Esse papel é bem reconhecido internacionalmente e é por isso que foi muito significativa a presença, na posse de Lula, de um número de representantes oficiais estrangeiros quatro vezes superior àquele havido na posse de seu antecessor.  Lembremos, por exemplo, da capa e da reportagem de 14 páginas publicados pela revista britânica The Economist , em...