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"Gestão da Ana de Hollanda é reflexo do vazio político"

Uma entrevista de Marta Porto, ex-secretária de Cidadania e Diversidade Cultural do Ministério da cultura, publicada hoje no Diário do Nordeste - sua primeira entrevista desde que saiu do MinC - ajuda a compreender a gestão fraca e caótica de Ana de Hollanda à frente do Ministério.

Por que você deixou o MinC?
Por falta de compatibilidade política e de confiança mútua. Assumi o comando de duas secretarias complexas e com maior relação com os movimentos culturais, a de Cidadania e a da Diversidade, com um quadro administrativo e de gestão caótico. Desde o princípio, tinha a firme convicção de que era possível atravessar esse primeiro momento atuando em duas frentes: mobilizando a capacidade técnica instalada no MinC para identificar e apresentar soluções rápidas, imprimindo mais transparência aos processos, e em paralelo ampliar o debate político, dentro e fora do governo. Foi uma tese derrotada, faz parte do jogo.
Na época, falou-se que havia um movimento de articulação para que você substituísse Ana de Hollanda. Isso é verdade?
Houve boatos, e não articulação. Sem dúvida isso não ajudou a estabelecer uma relação de confiança entre pessoas que não se conheciam, mas não foi o motivo da minha saída.
Há alguma má vontade política com o programa dos Pontos de Cultura? Ao que você atribui os cortes orçamentários e as dívidas do Cultura Viva?
Não acho que há má vontade, mas se criou em torno do programa uma visão quase messiânica, o que não ajuda o debate político. Para se estabelecer como política pública e não como política pessoal ou privada que faz uso de recursos públicos, é necessário que o programa seja visto com racionalidade. Há problemas evidentes de gestão, de transparência no processo decisório, de relação Estado-sociedade. Há também uma falta de clareza institucional para lidar com a diversidade dos próprios pontos de cultura e as condições de desigualdade que se instalaram dentro do programa. O Cultura Viva é uma grande ideia, mas em sete anos não criou as condições objetivas para preparar o Ministério da Cultura e, portanto, o governo como um todo para compreender e gerenciar as peculiaridades dessa produção e dessas organizações. As dívidas são reflexo desse descontrole. Muitos dos recursos não são repassados por inadimplência das organizações ou por atrasos nas prestações de contas pelo próprio MinC.
Três dos editais do programa foram cancelados pelo MinC no ano passado. Um deles foi o AgenteEscola Viva. Em abril de 2011, um parecer da Consultoria Jurídica da AGU no MinC dizia que o prazo do programa Agente Escola Viva deveria ser prorrogado. Mas, 15 dias depois, um novo parecer, assinado pela mesma advogada da AGU substituiu o primeiro, com uma conclusão contrária à prorrogação. O que aconteceu?
É preciso dizer que fui nomeada formalmente em 5 de maio de 2011 e que, antes dessa data, não tinha acesso aos processos, só acompanhava e orientava as decisões. Nesse caso, o que ocorreu é que em março foram feitas consultas formais à Consultoria Jurídica (Conjur) do MinC sobre a validade de dois editais, o Agente Escola Viva e o e Agente Cultura Viva, solicitando um pronunciamento formal sobre suas vigências. Os pareceres que nos chegaram, emitidos com um dia de diferença, tinham posições contraditórias, o que causou estranhamento na área técnica. Fizemos uma reunião com o coordenador da Conjur, Cláudio Peret, solicitando uma posição consolidada que orientasse a decisão final, e ela nos foi entregue através de parecer assinado pela Conjur em 20 de abril. Isso consta nos autos do processo e, com base nisso, tomei as medidas de cancelamento dos editais em junho, já nomeada.
A atual gestão do MinC costuma dizer que as contas a pagar e dívidas deixadas pela gestão anterior para os Pontos de Cultura foram muito altas. Você concorda?
Sim, eu concordo. Não se trata apenas de dívidas, mas de desorientação administrativa, de pilhas de processos sem resolução, de prestações de contas sem retorno desde 2008. Como lidar com tudo isso de forma respeitosa com as pessoas e cuidadosa com as exigências de ser governo e estado, sem provocar atrasos? É impossível.
Como você avalia o trabalho de Ana de Hollanda? E como você avalia a forma como a Cultura é tratada no governo Dilma?
Acho que a cultura ainda não se tornou uma prioridade para o Estado e mesmo para a sociedade brasileira. Isso não acontece apenas no Brasil; recentemente o governo conservador espanhol tomou a medida de acabar com seu Ministério da Cultura, integrando suas atividades a outra pasta. Entendo que para qualquer governante seja difícil entender como se relacionar com esse vazio político. E a gestão da Ana de Hollanda é um reflexo desse vazio, e não a sua causa.

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