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A difícil arte de conversar sobre política nos dias atuais


Dois pesos e duas medidas têm sido a norma do debate político atual. As pessoas relativizam o que querem da maneira mais tresloucada possível. Tive o seguinte diálogo na noite de sábado, numa festinha de aniversário à qual fui:

Um senhor respeitável (por quem tenho grande consideração) – Sou a favor do impeachment, é a única solução para o país.

Eu – Mas o impeachment não tem base legal nenhuma. Crime de responsabilidade em um 1º mandato não gera responsabilidade ao governo reeleito. Ademais, não se pode julgar contas de um ano fiscal não concluído, há a questão de que as “pedaladas” não constituem dolo e, por fim, o fato de que as tais “pedaladas” são um mecanismo utilizado por todo gestor público, no Brasil, na sua lida com a LOA.

O senhor respeitável – Mas isso depende do ponto de vista. Um jurista que seja favorável ao impeachment vai interpretar isso de outra forma. Tudo é muito relativo, nesse caso.

Eu – Como assim, interpretar de outra forma? É algo muito claro, muito objetivo, não há o que ser interpretado de outra forma.

O senhor respeitável  – Mas o fato é que pode ser interpetado de outra forma. Essa gente tem que ser presa, o Lula ficou milionário.

Eu – Ei, não estávamos falando sobre o impeachment? Por que o Lula entrou na história, de repente? Vamos ao menos terminar o assunto anterior.

O senhor respeitável – Sobre o impeachment já te falei: tudo depende da interpretação dos juristas, tudo é relativo. Nós temos que falar de corrupção porque isso sim é um fato maior, o próprio fundamento do impeachment. As coisas estão aí para provar. A mídia expôs tudo.

Eu – Será que o que a mídia diz também não pode ser inerpretado de outra forma?

O senhor respeitável – Mas são inúmeros fatos, é muita coisa, Fábio. A verdade está ali, clara na sua abundância!

Eu – E o princípio da relatividade, que você evocava acima? Não vale, no caso da mídia? Devo compreender que a realidade colocada pela mídia não é relativa e a realidade de um texo constitucional é absolutamente relativa?

O senhor respeitável outra vez muda de assunto. Fala agora da Lava Jato.

Segue variando os temas para preservar os bordões. Sua vontade justifica os argumentos.

Isso é o Brasil de hoje: todos traem o princípio do debate, a ponderabilidade da argumentação, o bom senso e a simples dialética.

Restam os bordões, as ideias-fixas e os lugares-comuns.

Ninguém aceita mais discutir e vai predominando o irracionalismo. A mesma matéria que produz o integralismo, o messianismo e o fascismo.


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