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O terremoto do Haiti visto da França

Não exatamente por mim, deveria dizer, apesar de que estava na França. Visto pelos franceses. O que eu vi foi os franceses verem o terremoto no Haiti.  A questão é óbvia, mas a visão é turva. O país destruído foi uma colônia francesa. E não qualquer colônia. Foi, talvez, a mais massacrada das colônias francesas. E a França precisou mergulhar nesse “dever de memória” que, antes é um reconhecimento de culpa. O Haiti foi a mais massacrada das colônias francesas por inúmeros motivos.  Sua proclamação de independência, em 1804, fazia do país uma vitória da história: a primeira república negra da história. E não só: a única nação tornada independente na América por meio de uma revolta de escravos. Sua independência abriria – embora isso quase não seja lembrado – o ciclo das independências na América Latina. Isso, a França não pôde reconhecer jamais. E jamais pôde aceitar. Sempre ecoou, na história da Revolução Francesa, o fato de que a abolição da escravidão tenha ocorrido, no Haiti, seis meses antes da sua abolição oficial, pela Assembléia Nacional. E sempre ecoou, na história da consciência política francesa, o fato de que a independência do país só foi reconhecida, oficialmente, depois que o Haiti aceitou pagar uma dívida de 90 milhões de francos – o equivalete, em valores atuais, a 21 bilhões de dólares.  Uma dívida que arruinou para sempre o país e que só terminou de ser paga em 1888... A mesma França que hoje fala em “francofonia” e que se vangloria de suas relações culturais com as antigas colônias, chantageou o Haiti durante mais de 60 anos. Francamente, a França continua calada... ainda engole em seco as culpas da história. Talvez porque o governo atual seja de uma direitazinha medíocre. Talvez porque a culpa seja demais pesada. Talvez, enfim, porque um terremoto possa enterrar o passado.

Comentários

Anonymous disse…
Não sei se enterra o passado, mas com certeza enterrou o futuro, pelo menos um futuro imediato melhor.
Anonymous disse…
Muito bem lembrado, professor. Parece que não só a França tem culpa na história secular de miséria haitiana - mais agravada ainda com esse terremoto. A Espanha, como bem lembrou o El País (http://www.elpais.com/articulo/internacional/Haiti/pobre/elpepiint/20100120elpepiint_6/Tes#animacion), deve estar assistindo a essa tragédia callada, calladita.
Isabel Bueno disse…
O Haiti precisa de médicos e engenheiros e não de soldados
Ao anônimo das 9:58, quando digo enterrar o passado é no sentido de diminuir o peso na consciência da França, em relação às iniquidades que cometeu contra o Haiti. O futuro do Haiti, concordo, também desabou e foi soterrado.

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