O marxismo ocidental 10: Gilles Deleuze
Uma vez perguntaram a Gilles Deleuze o que era ser “de esquerda”. Sua resposta foi a seguinte: “Ser de esquerda é perceber o mundo antes de tudo”. Ou seja perceber na seguinte ordem: mundo, continentes, américa, amazônia, pará, belém, eu. Alguém de direita faria o caminho inverso.
Isso representa uma certa ética: a de subjugar o individual em favor do coletivo. E isso é essencial em Deleuze e é o que faz da sua obra uma herança à esquerda.
Vejamo-la, no entanto, sob a ótica conceitual com que se apresenta na sua obra: por meio dessa palavra tortuosa e plena de alegria que é desejo. Aliás, antes lembremos que a enciclopédia Larousse define Deleuze como “o filósofo do desejo”.
Mas... em que sentido, propriamente?
No sentido de que Desejo, em Deleuze, equivale a uma busca pela liberdade através da conexão ao coletivo: “Desejo é construir um conjunto, um agenciamento, uma região; sempre um coletivo”.
Sim, devem estar pensando: o pensamento dele tem algo de espinoziano... Sim, é verdade. A comunhão ao universal é o tema de Espinoza por excelência e a temática do desejo não lhe é estranha, apesar de surgir na sua filosofia sob diferentes mantos. E Deleuze amava Espinoza. Aliás, dele provém a noção deleuziana de alegria. E isso, na verdade, penso eu, daria a Deleuze melhor síntese: “o filósofo da alegria”.
Porém, como não se trata de escrever sobre Deleuze, mas sim sobre o que, em Deleuze, se torna uma herança à esquerda, o tema preciso é, de fato, o tema do desejo, que para ele não é algo compreendido para bem além das amarras psicanalíticas tradicionais, que percebem o desejo como algo circunscrito às esferas da família e do sexo. É algo presente na pulsão gregária, essencial ao corpo social.
Em “O Anti-Édipo”, obra de 1972, o desejo já é descrito como uma forma política, uma forma de negociação do coletivo. Na quarta parte desse livro Deleuze se propõe a fazer uma esquizo-análise do papel do desejo. Trata-se de ver como o desejo constitui uma estratégia de conexão e produção do papel social dos indivíduos. Nas obras posteriores, a esquizo-análise surgirá com outros nomes. O mais interessante deles é micro-política. Trata-se de um termo inspirado de seu diálogo com a obra do amigo Michel Foucault, onde se encontra a bio-política, também, como um elemento inspirado do produtivo diálogo com o amigo ...Deleuze.
A micro-política é a estratégia de desejar caoticamente e, por meio de todos os modos, produzir compensações, derivações, processos. Tudo fica mais claro por meio da noção de rizoma, que Deleuze constrói em parceria com Félix Guattari, parceiro em muitas obras. Rizoma é o tecido intrincado e imbricado das plantas, que se conecta em todas as direções, e isso é o desejo: o coletivo comum, a interconexão.
A micro-política, de certa forma, vem a ser o oposto da política, ou do que a política, em geral, se tornou. A política do mundo público já não é conexão. É um fibroma. Já não integra, mas afasta.
A micro-política, no entanto, não é a política. Ela é uma ética.
Isso me diz muito. Deleuze me diz muito.
Ler Deleuze me convence de que posso fazer muito mais e muito melhor recorrendo à micro-política que à política.
Toda terça-feira tem Heranças à Esquerda no Hupomnemata
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