Esquerdas Brasileiras 11: O PT 2 - A Articulação
Tendência majoritária e hegemônica do PT, a Articulação, pode ser compreendida, em síntese, como a tendência da práxis. Conjunturalmente, ela é formada a partir da experiência do socialismo pós-soviético. É a essência do PT, nem sempre vista como Tendência, propriamente dita, com foi, mas como o bloco nuclear, herdeiro de uma parte importante da experiência histórica abandonada pelo PCB: a de formação de um partido de massas, com base no movimento sindical e forte associação com movimentos sociais.
Como já comentei, as esquerdas brasileiras cindiram-se após o golpe de 64. A repressão, de um lado, e o erro tático de abandonar posições, de outro, desarticularam todo o seu campo. A certo momento os grupos que optaram pela luta armada pareciam estar na vanguarda do movimento, mas, aniquilados pelo regime, cederam esse espaço para uma vanguarda tardia, surgida no ABC paulista uma geração mais tarde. Era a Articulação 113, que surgiu, na prática, da velha fórmula concebida pelo PCB de organização política a partir de uma base sindical que conseguisse se ramificar por outras instituições populares. O próprio PCB, a partir da redemocratização do país, abandonara essa tática e, tal como os partidos de esquerda europeus, notadamente a social-democracia, passou a se organizar em torno das classes médias e urbanas.
Falando esquematicamente, a Articulação pode ser vista como a situação política conformada pela pactuação, entre os principais líderes sindicais e intelectuais de classe media que, embora formados no caldo cultural stalinista, foram, gradualmente, aceitando a idéia de que a democracia – aspiração básica da sociedade mediana brasileira dos anos 1980 – passa a ser um valor superior da política e não mais, meramente, um anteparo burguês.
O caminho da Articulação – e, portanto, do PT – representou, nesse sentido, a própria vitalidade que vai caracterizar as esquerdas latino-americanas no mundo contemporâneo. Seu diferencial essencial, no meu ponto de vista, é a capacidade de analisar a conjuntura a partir da experiência vivida, e não mais a partir do referencial teórico dogmático do marxismo. Ou seja, levar em consideração, mais que a construção de cenas históricas longas, os interesses imediatos, a solução prática, a dimensão humanitária e as soluções criativas.
Há um outro diferencial que precisa ser considerado também: o caráter carismático das lideranças sindicais, a começar por Lula. Uma relação carismática que produz imenso prestígio social e aglutina, em torno dos metalúrgicos do ABC, várias outras categorias trabalhadoras, bem como a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) – ou seja, setores do campo que transformam o PT num partido efetivamente de massas.
A Articulação surgiu em 1983, já como um aglomerado de movimentos e personalidades. Seu ponto programático principal foi a organização do PT como um partido estratégico, de massas, de luta e democrático. Compreendendo-se essa visão se compreende o PT.
Operacionalmente, essa opção se processava por meio de três frentes de luta internas: combater os que pretendiam transformar o PT numa “frente oposicionista liberal, como o PMDB”; combater os que se deixam “seduzir por uma proposta socialista sem trabalhadores, como o PDT”; combater as Tendências internas do partido quando elas adotam uma prática ambígua em relação ao PT. Politicamente falando, a Articulação não se via como uma simples Tendência interna, mas sim como o próprio partido.
Este foi o PT que despontou como projeto estratégico. O elemento político marcante do seu núcleo foi o pragmatismo. Em função da necessidade de construir um partido – objetivamente falando, de conquistar uma posição hegemônica – a Articulação produziu, desde cedo, sucessivas alianças com grupos mais à direita no espectro político petista. O preço pago por isso foi elevado, pois para ganhar pela quantidade deu-se em troca a formação política dos quadros.
Obviamente essa posição de centralidade acarreta um ônus. Muitas vezes a heterogeneidade da Articulação resultou em perda de referenciais estratégicos, abandono de compromissos e simples fisiologismo como forma de atender à diversidade de interesses em jogo, tanto coletivos como individuais. O fato é que, para o bem e para o mal, a Articulação formou a cara do PT. Vem dela a práxis petista, a formulação estratégica, a concepção de socialismo e o modelo de partido.
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