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Sobre a Caixa de Criadores

O blog nunca fez incursões no mundo da moda. Não entendo do assunto e devo dizer que sou do tipo que gosta do colarinho bem engomado e das placas tectônicas bem calminhas no seu lugar. Porém, na segunda-feira passada fui ao desfile da Caixa de Criadores. Há muito tempo considero a Caixa C uma iniciativa admirável, e então, acho que devia essa visita. E gostaria de falar um pouco sobre o que vi.
Como disse, não estou bem posicionado para falar sobre moda e não falarei. Ocorre que não houve como não perceber as relações sociais que vão se sedimentando em torno do evento e da moda local. E quando falo em relações sociais não estou me referindo, exclusivamente, às práticas do mercado, exclusivamente, mas sim do conjunto das práticas simbólicas que envolvem essa atividade.
A Caixa C já criou, claramente, um campo social. Um campo formado por estilistas, produtores, modelos, vendedores, estudantes de moda, fotógrafos, jornalistas e público-fiel, etc. Dá para perceber a rede de interações que vão se formando nesse campo, garantindo-lhe autonomia e capacidade de negociação com outros campos sociais.
Até esta sua nona edição, o evento já realizou 400 horas de mercado de moda. Cerca de cem marcas participam do grupo. 25 marcas já desenvolveram o próprio negócio. São números excelentes, quando pensamos em mercado alternativo – ou seja, um mercado que corre em paralelo ao grande capital.
Porém, o que me parece realmente interessante é como essa mercado alternativo, a partir de sua consolidação institucional, começa a pressionar o grande capital em termos de tendências, gostos, práticas de consumo e de crédito.
Percebe-se que circulam pelo evento, atraídos tanto por seu charme como por seu poder de mercado, alguns empresários maiores. Querem aprender, apreender.
Da mesma forma, tive impressão de que o diálogo dos criadores com o mercado tem por base uma estratégia paciente de aprendizado e construção dos instrumentos subjetivos que foram as tendências. Assim, por exemplo, no desfile, deu para perceber como se dá o diálogo dos criadores com o seu público.
Alguns se esforçam por criar uma identidade própria, bem marcada e definida. Outros, procuram fazer concessões ao que parece ser o gosto de seus principais compradores. É interessante esse arco de identidades: alguns explorando nichos do mercado e outros tracejando uma linha entre criatividade e vendabilidade.
Por outro lado, as outras regiões desse campo são também interessantes. Conversei brevemente com uma estudante de moda, no curso da Unama. Perguntei-lhe se tinha uma marca própria e ela respondeu que não, que ainda não estava preparada, mas que iria ter, em breve. Também me disse que trabalha numa das marcas, como vendedora. Disse que aprendia muito e que procurava observar o mercado, ver como funciona.
Outra pessoa que encontrei foi um amigo, fotógrafo, que estava ali para fotografar o desfile. Mas não profissionalmente, e sim porque a namorada de um sobrinho seu era uma das modelos. Ora, se há uma participação como esse, uma participação externa ao campo para ocupar um lugar específico dentro de uma das regiões do campo, pode-se falar num campo já bastante articulado. E, de fato, a zona ocupada por jornalistas e fotógrafos era notável. Mesmo porque, como se sabe, flashes conferem um ar muito especial a eventos desse tipo.
Da mesma forma, deu para perceber a carga simbólica de uma outra participação no evento, uma outra participação externa ao campo mas que, simbolicamente, confere peso ao campo. Desta vez, foi a do artista e performer Elói Iglesias. Sua aparição, repentina, no meio do desfile de uma das marcas mais arrojadas do evento, bem como seu desfile, gratificamente pernicioso (como somente o Elói é capaz) conferiu ao desfile certa carga de referências marcante. Mesmo porque era Elói Iglesias citando Elóis Iglesias. Só quem o conhece – e são muitos – entende direito isso.
Para quem não conhece bem o blog, quando falo em “campo” estou usando uma terminologia sociológica que significa uma espécie de setor da sociedade envolvido em práticas comuns.
Em síntese, achei tudo bem interessante. Só recomendaria que não calçassem mais as modelos com saltos tão altos e, em certos casos, com números maiores que seus belos pezinhos podem suportar. Coitadinhas. A certo momento isso chamou atenção exacerbada dos presentes. Mas, de qualquer forma, são coisas que também fazem parte do campo.

Comentários

. disse…
Fui ao Caixa de Criadores duas vezes (e na mesma edição, junho de 2007). Não me senti atraída para voltar ao evento.
Confesso que depois dessa tua narrativa, senti muito por não ter voltado lá até agora. Quero olhar o CC sob esta ótica. Acho que vai valer à pena.
Jumara Cardoso disse…
Fábio, meu caro professor! Adorei sua reflexão sobre o Caixa de Criadores. Digo isso não só como comunicóloga, mas como jornalista de moda, uma das minhas especialidades no mercado. Mantenho um blog sobre moda e tendências (www.degradedamoda.blogspot.com), que já acumula muitos adeptos no Pará e em outros estados do Brasil.
Seu texto me faz lembrar com saudades das suas aulas na UFPA. Continue sempre escrevendo no blog.

Um grande abraço,

Jumara Cardoso
hupomnemata disse…
Olá Jumara, Bom ter notícias suas e muito legal saber que temos um jornalismo especializado nessa área. Vou dar uma olhada no seu blog. Abraço.
Marluce Aguiar disse…
Já tinha ouvido falar sobre a Caixa de Criadores, mas nunca fui a uma das feiras que eles promovem. Pena que o evento acabou. Onde posso encontrar mais informações, você sabe?
Alda Mary disse…
Fábio, será que dá para fazer uma diferença entre essas zonas que tu observas no campo da moda? Há disputas internas entre elas? Pergunto isso porque o que vemos é sempre a disputa: entre as marcas de moda praia, por exemplo... O que quero te perguntar em síntese é se as disputas são conjunturais e dizem respeito somente ao mercado ou se elas se espalham pelas zonas do campo, por exemplo entre modelos e fotógrafos, ou entre as grifes e os organizadores do evenbto.

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