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Heranças à Esquerda 43

Esquerdas Brasileiras 14: O PT 4 - O PRC, a NE e a TM
O impacto da crise do socialismo foi particularmente interessante sobre o Partido Revolucionário Comunista (PRC), criado em 1985 a partir de uma dissidência do Partido Comunista do Brasil (PC do B) à qual se juntaram militantes da antiga Polop (Organização de Combate Marxista-Leninista Política Operária) e do Movimento pela Emancipação de Proletariado (MEP).
Em 1989 o PRC decidiu se dissolver enquanto partido e tornar-se uma tendência interna do PT. Seu caso é interessante porque o PCR foi criado dentro do paradigma marxista-leninista e, tal como outras organizações, se proclamou como embrião da revolução brasileira. A respeito do PT, antes de 89, seu julgamento era severo. Percebia-o como “uma organização político-frentista hegemonizada por posições reformista, aprisionada nos marcos da ideologia burguesa”. Coisa de amadores, ou social-democratas, enfim.
Porém, no seu 3º Congresso, em 1989, concluiu uma autocrítica que iniciara dois anos antes e votou pela própria extinção. O objetivo era livrar-se do dogmatismo e repensar o socialismo no Brasil. Essa reflexão transformou-se no manifesto “Por uma Nova Esquerda”, um esforço consistente e importante de repensar o socialismo e de repudiar a herança negra do stalinismo. A identidade a buscar, a herança proclamada, era a mais meritória possível: a paixão do “humanismo radical”.
Tratava-se de um partido de intelectuais, humildes para fazer a autocrítica e sintonizados o suficiente com o resto do mundo para perceber que tudo estava mudando. A prova disso é o diálogo do PRC com a teoria da história de Walter Benjamin, uma inovação, nessa época. Esse diálogo permitia dizer coisas como “O anjo da história só terá condições de voltar sua face em direção ao futuro quando acertarmos as contas com as ruínas das revoluções”, como afirmado no manifesto.
Pode-se perceber, também, no manisfesto, uma leitura proveitosa de Jacques Derrida (Espectros de Marx), à medida em que o PRC procurava cassar os fantasmas que já não diziam nada e substituí-los por novos. Penso, aliás, que falta fazer um estudo literário desse belíssimo manifesto.
Ingresso no PT, o PRC, no entanto, cindiu-se em duas tendências: a Nova Esquerda (NE) e o Movimento por uma Tendência Marxista do PT (MTM-PT). Essa divisão resultou de uma disputa entre duas teses, em 1990. Uma delas, denominada “Para uma estratégia revolucionária”, compreendia o marxismo como uma referência teórica genérica, repudiando as idéias de ditadura do proletariado e firmando sua identidade não-comunista. A outra, chamada “PT: que socialismo?”, era menos heterodoxa.
A primeira tese foi apoiada por cerca de 75% dos delegados e a segunda por 25%. Estava formada a cisão e duas tendências petistas nasciam desse debate.
O que as difere é, basicamente, a idéia de um socialismo humanista e libertário, na NE, e um compromisso mais fechado com a herança marxista, na TM.
A reflexão dos militantes da NE surgiu da confrontação dos resultados do socialismo marxista com os resultados da social-democracia. Para a tendência, os dois projetos falharam. O primeiro, porque produziu sociedades totalitárias e ineficientes e a segunda porque não conseguiu criar uma justiça social verdadeira e se reduziu à condição de uma gerenciadora dos excessos do capitalismo.
A conclusão a que chegaram foi, sinteticamente, a de que a justiça social não é “o resultado natural e inevitável de contradição entre o desenvolvimento das forças produtivas e as relações sociais de produção”, mas o resultado de uma operação de construção de um consenso hegemônico. Trocando em miúdos: fazer uma revolução não é uma condição determinante para o socialismo.
Fundada em 1990, a NE, logo no ano seguinte, se fundiu à Vertente Socialista (VS), de Augusto de Franco e Eduardo Jorge para criar o PPB - Projeto Para o Brasil, na prática uma tese heterodoxa para o socialismo petista e não propriamente uma tendência, o que só aconteceria mais tarde, quando foi criada a Democracia Radical (DR), hegemonizada por José Genoíno e que é caracterizada como a ala mais à direita do PT.
No entanto, o PPB foi, em seu tempo, um projeto original e de grande importância para o pensamento de esquerda no Brasil. Foi a síntese possível, em seu tempo, e aglutinou, no 1º Congresso do PT, realizado em 1991, setores da Articulação, o PT Vivo, de Erundia, uma ala da igreja liderada por Plínio de Arruda Sampaio e Irma Passoni e, ainda, intelectuais idependentes do Rio de Janeiro, notadamente Carlos Nelson Coutinho, Leandro Konder e Milton Temer.
O destino desse projeto é curioso, porque foi abandonado no meio do caminho. O que nasceu como uma reflexão aguda e crítica sobre a herança marxista acabou se tornando, simplesmente, uma negação, pura e simplesmente, além de pouco fundamentada, do marxismo.
O caminho feito pela Tendência Marxista (TM) – a tendência minoritária que nasceu do PRC, em 1989 – foi diferente. A começar pela avaliação feita sobre a crise dos estados socialistas europeus. Essa crise não teria sido, no seu entender, uma crise do socialismo, como a Nova Esquerda interpretara, mas sim uma crise da concepção economicista do socialismo. A crise de um regime que substituíra o capitalismo da livre-concorrência pelo capitalismo de estado, caracterizado pelo privatismo, pela burocracia e pela planificação da produção.
A TM também teve um papel importante no 1º Congresso do PT, em 91. Isso se deu a partir o debate que a reuniu a duas outras tendências petistas, a Força Socialista e a Brasil Socialista em torno de um intelectual independente – um grande intelectual, cuja obra tem sido pouco lida atualmente – Florestan Fernandes. Dessa união de forças, desse debate, nasceu a tese PT Socialista e Revolucionário, que reconhece os erros do marxismo-leninismo, condena a burocracia e o stalinismo e defende o resgate dos fundamentos do socialismo – como uma “proposta intrinsecamente democrática”.
Em 1992 essas tendências se uniram para formar o movimento Na Luta, PT (NLPT), ao qual aderiram também uma parte da tendência O Trabalho e o grupo de Luiz Eduardo Greenhalgh.

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