O custo da divisão
Fábio Fonseca de Castro
A notícia de que o Governo do Estado vai contratar o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), órgão ligado a Presidência da República, para renovar seus estudos sobre a divisão do Pará colocou em pauta, novamente, o tema da criação dos estados do Tapajós e Carajás. Alguns comentários a respeito.
Penso que dividir o Pará para governar melhor é uma possibilidade, mas não a qualquer custo. E que custos são esses? Bom, eles são quatro: os quatro custos da divisão territorial. O primeiro é custo da máquina, quanto se paga para os novos estados funcionarem? O segundo é o custo social: o que se perde em termos de investimentos em saúde, educação, segurança e emprego por causa, justamente, do custo da máquina. O terceiro é o custo institucional: a competição e a guerra fiscal que vai se instalar entre os três estados remanescentes. E, porfim, o quarto é o custo federativo, a situação de desequilíbrio político gerada.
Quem paga todos esses custos é o povo. Tanto o povo da nova unidade como todos os brasileiros, em geral. Vamos a eles:
O custo da máquina
O custo da máquina é o quanto se paga para um novo estado funcionar. O próprio IPEA construiu uma fórmula para determinar quanto custa a burocracia de um estado. Esse cálculo parte de um custo fixo de manutenção, um custo básico, de R$ 832 milhões por ano (custo A). A esse valor básico se somam outros dois custos: R$ 564,69 por habitante (custo B) e R$ 0,075 por real do PIB estadual da futura unidade (custo C).
Quando aplicamos essa fórmula ao projeto do estado de Tapajós vemos que custear a burocracia do novo estado custaria R$ 832 milhões (custo A), mais R$ 652.061.660,25 (custo B), mais 477.023,18 (custo C). O total ficaria em R$ 1.484.538.683,43.
Em relação ao projeto do Carajás o cálculo fica assim: R$ 832 milhões (custo A), mais R$ 873.308.331,63 (custo B) e mais R$ 1.477.193,93 (custo C). O total ficaria em R$ 1.706.785.525,55.
Quando projetamos esses valores em termos de PIB, vemos que as máquinas governamentais de Tapajós e Carajás custariam mais em relação aos PIBs dessas regiões do que o atual Estado do Pará. O Tapajós custaria o dobro e o Carajás 50% a mais. E, para completar, o custeio da parte restante do Pará também subiriam, em cerca de 7,5%.
Ou seja, dinheiro que hoje é usado em investimento passaria a ser usado em custeio. E isso sem contar o custo imediato da instalação dos estados, estimado em cerca de R$ 1,4 bilhão para cada um.
Se criado, o Tapajós precisaria usar 34,1% de seu PIB, ou seja, de suas riquezas, para custear sua máquina oficial. O Carajás consumiria 18,6% das próprias riquezas. O custo do atual Pará equivale 17,2% de seu PIB, mas com a divisão seria elevado a 19,1% do PIB estadual. Essa situação é muito diferente da verificada nas unidades mais ricas da federação – e não é por outro motivo que projetos como a criação dos estados do Triângulo e de São Paulo do Leste nunca vão para frente: lá se sabe que a divisão aumenta o custeio e que, em conseqüência, as regiões empobrecem.
Essa equação se explica por uma fórmula simples: quanto mais recursos um estado tem para investir em programas sociais, infra-estrutura e empregos, melhor é o seu desenvolvimento. O custeio de Roraima, por exemplo, é de R$ 1.037 bilhão, o que representa cerca de 35% do seu PIB. Já em São Paulo é de R$ 75.947 bilhões, mas isso não representa mais do que 8,51% do seu PIB. Os novos estados, com um PIB baixo, consumirão quase toda a sua riqueza para pagar a própria burocracia.
O custo social
O segundo custo da divisão territorial é o custo social. Sim, apesar do que se diz, os investimentos sociais no novo estado tendem a cair, o que significa menos saúde, menos educação, menos segurança, menos assistência social. Por que isso acontece? Justamente porque sustentar a máquina do novo estado vai consumir uma imensa parte do seu PIB.
Façamos uma projeção. Em todo o Pará foram investidos cerca de R$ 257 milhões, em 2009, em saneamento. Nesse ano, esse valor representou 14,1% do orçamento estadual de investimento. Supondo que os novos estados quisessem manter o mesmo programa e o mesmo padrão de investimento na área da saúde, provavelmente não alcançariam o mesmo valor percentual, considerando que teriam de fazer face às despesas necessárias para pagar a burocracia institucional criada. E isso sem considerar que os novos governos estaduais precisariam atuar de forma compensatória em certas áreas, muito possivelmente elevando o percentual de repasses aos novos poderes legislativos e judiciários, tal como aconteceu com o Tocantins, Roraima e Amapá quando foram transformados em estado.
Em síntese, dividir o ônus social tem o efeito de aumentar a pobreza.
O custo institucional
O terceiro grande custo a ser pago é o institucional. Com a divisão, é muito provável que os três estados passem a competir entre si, quebrando sistemas e cadeias de produção que aos poucos vão sendo instalados. Dessa maneira, por exemplo, o Pará remanescente vai arrecadar sobre o consumo de energia proveniente da usina de Tucuruí, mas o Carajás não vai ganhar nada com isso. Da mesma maneira, as exportações da Alpa, a Aços Laminados do Pará, terão sua carga tributária aumentada, porque passarão pelo porto de Vila do Conde, Espadarte ou de Itaquí. E, muito provavelmente, haveria uma guerra fiscal cujo principal efeito seria afastar, dos três estados, vários investimentos. Todos perderiam em termos de segurança institucional: um estado rico, em processo de coesão e desenvolvimento, seria substituído por três estados pobres, inimigos fiscais e desacreditados. Três anões em guerra.
O custo federativo
O quarto custo da divisão territorial é o custo federativo. Os dois novos estados trazem de imediato, juntos, 6 novos senadores e 16 deputados federais. Do ponto de vista dos interesses estritos do estado isso poderia ser bom – considerando sempre a hipótese, improvável, de que os estados seriam sempre bem representados, por políticos comprometidos e honestos. Porém, acentua o desequilíbrio na representação das unidades federativas.
Essa desproporcionalidade se deve ao atual sistema eleitoral, que estabelece um patamar mínimo e outro máximo para a representação dos estados na Câmara Federal: oito e setenta deputados, respectivamente. Os dois novos estados teriam oito deputados cada um, gerando o que alguns vêem como uma super-representação, em comparação com as regiões mais populosas. Para alguns críticos isso viola o princípio igualitário da democracia: os votos de alguns cidadãos acabam tendo maior valor. Esses críticos defendem uma representação estritamente proporcional em termos de população, na base 1 indivíduo = 1 voto.
É preciso dizer que o argumento não está, necessariamente, correto. A principal objeção a ele é que, na sua compreensão de democracia, considera-se exclusivamente a dimensão individual da representação e o princípio majoritário, enquanto seria preciso considerar também outros interesses relevantes, presentes na sociedade, mesmo que minoritários. Afinal, a regra da maioria é apenas um expediente a serviço da democracia, e não um fim em si mesmo.
Mesmo assim, há um custo federativo a considerar, porque a ampliação da diferença representativa, que já é muito grande na Amazônia, pode contribuir para um colapso institucional que não poder ser resolvido sem uma grande reforma do sistema político e partidário brasileiro.
Mais sobre o custo federativo
Em ciências políticas, a desproporcionalidade na representação entre as unidades territoriais é calculada por meio da fórmula de Loosemore e Hamby (D = 1/2S ci-pi), onde D representa a desproporcionalidade representativa, c é o percentual de cadeira da unidade territorial, chama i, e p é o percentual da população dessa mesma unidade i, em determinado ano eleitoral.
Essa fórmula foi aplicada ao Brasil atual pelo trabalho de Samuels e Snyder de 2001 - portanto sem a criação dos dois novos estados - e o resultado foi preocupante. Enquanto países como Holanda, Israel e Peru apresentam perfeita proporcionalidade, na medida em que obedecem ao princípio 1 indivíduo = 1 voto, outros países, que não aplicam esse modelo, apresentam graus de desproporcionalidade que podem ser razoáveis (e, portanto, saudáveis, do ponto de vista do argumento da defesa dos interesses minoritários) ou não.
E o caso brasileiro, mesmo sem os dois novos estados, já é absurdamente desigual. Por exemplo, são razoáveis os índices da Alemanha, Austrália, África do Sul e Canadá, nos quais D = 1, 2 ou 3. No Brasil, D = 9. Isso significa que alguns brasileiros valem mais que outros. Com a criação do Tapajós e do Carajás esse índice aumenta ainda mais. Iria para 11
Mais sobre a burocracia
E a criação dos dois estados seria apenas o começo de um problema muito maior, porque sem a reforma política, ela acabaria levando, inevitavelmente, ao fortalecimento do movimento pela criação de outras unidades. Se metade das unidades previstas fossem criadas seriam mais 8 governadores, 24 senadores, 64 deputados federais, cerca de 144 secretários estaduais, cerca de 768 assessores parlamentares só em Brasília e cerca de 28 mil cargos comissionados.
Será que o país precisa de tantos políticos? É justo indagar: a quem interessa tanto? À população dos novos estados, que vai ter que pagar o salário de tanta gente em vez de usar esse dinheiro para investir em saúde e educação?
Em síntese, a conclusão é que unido o Pará avança mais: Nos últimos 15 anos o crescimento acumulado do PIB paraense foi de mais de 160%, o que representa um crescimento da economia paraense bem acima da evolução do PIB brasileiro acumulado, que foi de cerca de 140%. Separados, nenhum dos três estados poderia apresentar taxas semelhantes.
Comentários
Seu texto traz dados materiais para essa discussão. A metodologia do Ipea é, sem dúvida, a mais confiável, pois o Ipea é um instituto mundialmente reconhecido, sem contar que caminha junto, na metodologia elaborada para esse assunto, com a Fundação Getúlio Vargas, outra instituição respeitada internacionalmente.
O que percebemos é que a criação de uma nova unidade federativa no país é um ônus desmensurado para toda a sociedade brasileira e que, inclusive, se torna um ônus para a população do próprio estado. O Pará unido é grande e tem potencial. Dividido só é uma escada para o interesse político de alguns personagens.
Abraço fraternal.
De um santareno que publicamente (até agora) não assume ser contra a divisão.
C.M.B.
De um santareno que publicamente (até agora) não assume ser contra a divisão.
C.M.B.
Toda análise social precisa ter uma discussão metodológica prévia e correta. Sem isso não há análise real. Os estudos sobre a criação de novas unidades federativas, a chamada metodologia Bueres, é muito correta, o que não quer dizer que não possa ser melhorada. Por exemplo: ela não leva em conta os custos de instalação dos novos estados, que, se tirarmos por parâmetro a experiência com o Tocantins e com a transformação do Amapá e Roraima (além de Rondônia, é claro, embora Rondônia seja um caso especial) esse custo pode chegar a R$ 3 bilhões. Dinheiro que vai sair de onde? Do investimento, é claro, e vai, em seguida, alimentar o custeio.
Concordo integralmente: o assunto é muito importante, e o debate não deve ser cerceado pelo interesse ou pelo desejo de alguns poucos políticos, empresas e órgãos de imprensa. Também concordo a respeito de sua colocação de que o debate tem que ser feito da maneira mais ampla possível, pois o assunto diz respeito a todos os paraenses e a todos os brasileiros, posto que a conta vai ser paga por todos. E uma conta altíssima, diga-se de passagem.
E fico particularmente tocado quando a Sra refere o papel dos blogs, porque penso da mesma forma. A despeito da baixa inclusão digital do paraense, a internet tem sido um instrumento aliado para a ampliação e o destaque de certas questões.
Você tem razão: ninguém se preocupa com os custos. É preciso pensar economicamente. Falta-nos essa cultura. As pessoas vão tendo as idéias mais estapafúrdias e achando que não vai custar nada, que não vai ter implicações mais amplas.
Sei disso. Conheço bem a região, já fiz pesquisa de campo em Parauapebas, Conceição e Eldorado. Sei que o fato de a maioria da população ser de origem de fora da região amazônica não é um fator diretamente ligado à vontade de dividir, ao contrário do que se pensa. De fato, não é possível continuar fazendo reducionismo desse tipo.
É isso aí. Como eu dizia acima, é preciso ter uma percepção econômica da questão. Li com atenção os dois projetos e percebi, sim, como eles foram crescendo ano após ano, procurando ir ampliando, pelas bordas, o número de municípios, tudo para aumentar a população, o PIB e, assim, tornar mais crível a divisão. Acvho muito boa a sua sugestão de discutir, com destaque, essa dimensão do problema. Vamos tentar.
É. Eu pergunto mesmo... Mas, veja bem, na classe política, o assunto parece estar contaminado. Por isso, mais uma vez, eu pergunto: cadê a sociedade civil? Cadê o debate público?
Sou a favor, mas com debate equilibrado e profundo. A sociedade tem que cobrar esse debate.
Hélio
Caro, o que vc relata é super interessante. Já percebi que, no Baixo Amazonas há uma representação social sobre a questão que impõe posicionamentos morais. Por lá são, de fato, muitas as pessoas que utilizam essa representação para imputar, a outras, normas de conduta. Poderei ver isso de perto. Daqui há alguns dias estarei em Santarém e vou prestar atenção.
É uma boa percepção, mas precisamos de lideranças, na sociedade, capazes de dar forma a esse processo. Aliás, antes mesmo das lideranças, é preciso um esforço coletivo de intelectuais e artistas para pensarem no que seria esse processo, civilizatório ou não. Pessoalmente, tenho minhas dúvidas se precisa ser "civilizatório" esse processo. Aliás, acho mesmo é que não, mas tudo bem. Concordo que precisamos de um "projeto", pelo menos.
Venha vc viver em Belém, para perceber que toda a pauta de reivindicações feita nos demais municípios do estado também está presente em Belém. Belém é caótica, pobre e está deixada às suas moscas. Não tem gestão e nem projeto.
E você é um sujeito muito preconceituoso, que devia ser repreendido publicamente e processado.
Sua postura é arrogante e autoritária, além de imbecil, é claro. Se for com esse pensamento que a população da região de Carajás deseja autonomia territorial, acho que haverá, por lá, uma sociedade em eterna crise.
Zé Gondim
Mouana
Vendo o comentário desse idiota anônimo das 00:57 dá para perceber como o debate sobre a divisão do estado está estigmatizado e sem direção. É preconceito puro. O que será que o povo do sul do Pará tem a dizer sobre isso? Será que o que esse sujeito fala é um sintoma da opinião geral de toda uma região?
Vc resume a questão em dois momentos: quando menciona que temos que debater o assunto, "antes que algum aventureiro lance mão" e quando menciona que pobre só dá certo quando se une. É isso aí. Continuemos.
O Pará ainda não tem um grupo suprapartidário ativo, pensando o futuro do Estado. Nem precisa ser um grupo unido, basta ser um fórum de discussão, sério e comprometido com o interesse comum. Esse é o papel, historicamente falando, da sociedade civil. Alguns lugares criam essa estrutura por meio de uma estrutura de elite local, mas isso é muito difícil de acontecer por aqui, por que as chamadas elites atuais paraenses têm baixíssima educação, baixíssima escolaridade e as elites do passado, bem mais preparadas, ou não dispõem de capital econômicos ou, simplesmente, fogem do estado. Então, a solução tem que passar pela sociedade civil, pelo debate público o mais aberto possível, capaz de englobar as populações do oeste e do sudeste.
O debate está ideologizado e, o que é pior, pela via de uma ideologia simplista e dissimulada, que serve apenas para dissimular os interesses políticos e econômicos em jogo.
Para fazer os cálculos utilizei, precisamente, a metologia Bueres, do Ipea. E fiz uma tabela incluindo os municípios relacionados pelos dois projetos, inclusive com esses municípios que, histórica e culturalmente - para nem dizer economicamente - no caso da divisão, deveriam, imperativamente, ficar na parte remanescente do Pará. Ou seja, na prática, os números que apresentei são até superiores à realidade crua dos novos estados. Eles seriam uns 12% mais pobres do que está no meu texto. Dei, digamos assim, esse desconto. Os projetos são oportunistas e fracos. Não tem base conceitual e nem metodológica. Quanto à continuação do debate espero sim, poder prosseguir com o assunto, continuemos.
É muito bom poder ver que há gente jovem discutindo essas questões. Gostaria de registrar que seu post, ao que me parece, além de corajoso, é altamente significativo para o debate sobre o futuro do nosso Pará. Tenho 57 anos e estou muito cansado de tantas falas corrompidas, sobre os mais diversos assuntos e, inclusive, sobre este. Não acredito na imprensa, e nem nos partidos, se é para engrossar o caldo dessa discussão. Você trouxe uma informação ponderada sobre a questão. Agradeço de coração. Enfim me senti informado sobre o assunto e posso perceber que não há sentido algum na divisão do estado do Pará.
Um paraense!
E o PT? Não deveria ter posição a respeito dessa questão? E as tendências do partidos, também não deviam se manifestar? O que você acha?