Li o acordo que, no finalzinho de junho, o Governo Federal firmou com as Teles para que elas toquem o Plano Nacional de Banda Larga. Fiquei profundamente indignado, porque o tal acordo representou um retrocesso de anos nas lutas pela democratização dos serviços de telecomunicações no país. Na verdade, o acordo derrubou inteiramente o compromisso assumido por Dilma no seu discurso de posse e o esforço do ex-presidente Lula para recriar a Telebrás e garantir um PNBL democrático.
Para lembrar quem não se lembra: Dilma afirmou que seu governo começava com dois compromissos fundamentais: a extinção da pobreza extrema e um PNBL democrático.
Nós, que participamos da I Conferência Nacional de Comunicação, acreditávamos que o governo brasileiro estava firmemente empenhado em ao menos um ponto da imensa plataforma de reivindicações da Confecom: um PNBL que não ficasse sujeito aos desígnios exclusivamente de lucro da Teles. E isso foi por água abaixo.
Vou pontuar os problemas do acordo, para que vocês possam entender:
Problema 1: Não há metas e nem garantia de qualidade
No passado esse acordo seria chamado de “acordo de cavalheiros”, no sentido de que não tem fundamento legal firmado, somente um pacto verbal entre as partes. Atualmente, porém, não tendo sido possível chamar ninguém, nas Teles, de cavalheiro, fiquemos com palavras mais duras para denunciar esse acordo. Canalhice é uma boa palavra. As metas de acessibilidade, preço, alcance e qualidade desenhadas para o PNBL foram esquecidas. A regressão é incrível. É um acordo que, simplesmente, ignora o PNBL.
Problema 2: Baixa velocidade
Isso você não deve saber, mas deve sentir: hoje, a velocidade da sua internet de banda larga (pela qual você paga muito caro) é apenas 1/16 do que está no contrato de compra desse tipo de serviços que você assinou. Ninguém toma providência quanto a isso. As Teles fazem o que querem com você. E olha que a tal banda larga já é ridícula: apenas 1 Mbps. Acredite, isso não é nada. Pois é. E pelo acordo, vai continuar tudo do mesmo jeito. Na verdade, pelo acordo, vai até piorar, porque o Governo Federal autorizou as Teles a reduzirem ainda mais a velocidade dos clientes que baixarem mais de 300 Mbytes de arquivos por mês. Ou seja, se você baixar isso, que é muito pouco, vai ser punido com mais lentidão na sua internet. Pior que isso? Tem: nas conexões móveis, esse limite será só de 150 Mbytes.
Problema 3: Venda casada
Quem gosta da venda casada não é o cliente, mas o empresário. Afinal, é uma forma de constranger o cliente a comprar mais, ou seja, a comprar coisas que ele não precisa. O governo tinha prometido, em janeiro último, logo depois da posse de Dilma, que o pacote de R$ 35,00, prometido por Lula (e no meu entender já excessivamente caro, porque inviabiliza o acesso à internet para a imensa maioria dos brasileiros), sem venda casada, ou seja, sem que você tenha que acrescentar à conta outros servicinhos das Teles, seria mantido. Pois bem, não foi. No caso dos serviços de banda larga móvel, a venda casada acabou sendo obrigatória.
Ah, e tem pior: esse valor de R$ 35,00 vale só para o primeiro ano. Depois disso a Teles vão poder aumentar quanto quiserem o valor do “plano básico”.
Problema 4: Extinção de cláusula de punição
Pelo acordo, estabeleceu-se que as multas e os processos administrativos, eventualmente aplicadas sobre as Teles pelo descumprimento dos termos do acordo (já generosos) ou por irregularidades que cometam, podem se transformar em “investimento”. Ora, multas e processos administrativos são formas legítimas de controle, em qualquer tipo de acordo. A sociedade brasileira já padece com os péssimos serviços prestados pelas Teles. Quem tenta modificar um plano, cancelar uma conta de celular, usar com regularidade uma internet veloz, mesmo que pagando caro por tudo isso, sabe que vai esperar horas num atendimento telefônico que, na maioria dos casos, não resulta em nada.
Pode-se argumentar que transformar multas em “investimento” não é de todo mal, afinal, investimento significa melhorar o serviço. Certo? Até pode ser, mas... do ponto de vista das Teles, esse investimento será feito, obviamente, na direção da expansão do próprio lucro.
Problema 5: As regiões rurais ficaram de fora
O PNBL tinha o compromisso de garantir a telefonia fixa para aquelas regiões rurais mais distantes. As Teles evitam isso como podem, porque são serviços não lucrativos. Ocorre que a garantia desse serviço era uma contrapartida das Teles contra o direito de explorar a telefonia celular. Justo, não? Elas tinham que investir uma parte do seu imenso lucro na acessibilidade da comunicação. Existe um documento público chamado III Plano Geral de Metas para a Universalização do Serviço Telefônico Fixo que estabelecia isso e também como e quando isso aconteceria.
Pois bem, esse documento foi republicado no Diário Oficial da União no dia 30/06/2011, logo após o fechamento do acordo com as Teles, tendo essa cláusula anulada. Isso é meio maluco, do ponto de vista de uma política pública. Na verdade, é bastante irregular, porque se a banda larga é um serviço sob regime privado, a telefonia fixa, ao contrário, é um serviço sob regime público. Então o que aconteceu é o seguinte: o governo deixou o setor privado decidir se implementa ou não uma política pública. Sinistro, não?
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Querem mais? Querem pior? Tem mais e tem pior. Por exemplo: os provedores terão que pagar R$ 1.200,00 para receberem linhas na velocidade de 2 Mpbs, enquanto esse sérvioc, para a mesma velocidade, é, hoje, comprado à Telebrás, de R$ 230,00. Alem disso, aquele papo de “provedor gratuito” vai continuar sem controle: o nome gratuito vai continuar significando que ele continua pertencendo às Teles enquanto você não cumprir Períodos de fidelidade. Modens gratuitos? Só fora do Brasil. Aqui continuarão sendo pagos, e caros.
Não há democratização da comunicação sem universalização da banda larga. Universalização quer dizer acesso de todos os brasileiros, inclusive daqueles que habitam em regiões rurais distantes e pouco povoadas, à internet rápida e de qualidade.
Comentários
Sabemos que o Franklin Martins demorou muito para elaborar a minuta da Ley de Medios brasileira. Essa guinada se deu somente no último dos oito anos da presidência Lula, exatamente depois da Confecom, mas não deixou de ser um avanço considerável. Depois, a retirada do Minicom das mãos do PMDB, uma coisa que já parecia uma herança atávica, foi uma ato político significativo, que abonou o governo Dilma. Concordo que se o Franklin tivesse sido colocado lá, no lugar do Paulo Bernardo, as chances de uma gestão mais progressista seriam muito maiores. Também me sinto lesado. Esse acordo é vergonhoso.
Sua visão é corretíssima. A batalha da comunicação, que não é a batalha para comunicar mais ou melhor, mas a batalha para democratizar a comunicação, é uma das lutas sociais mais sérias e fundamentais das sociedades contemporâneas. Eu também não entendo esse retrocesso. Muita coisa deve ter acontecido nos bastidores políticos para que isso acontecesse...
Concordo plenamente com você quando diz que não se pode democratizar a comunicação sem universalizar o acesso a internet, mas quero ir mais longe. É possivel que haja uma comunicação democrática sem uma Sociedade igualmente democrática? Eu acredito que não. Por este motivo a tempo que não me iludo com propostas supostamente progrecista do Gov. Petista. Se o acordo com as Teles joga pelo ralo o compromisso com um PNBL democrático, o que signífica o novo PNE e o corte de 50 bilhões da educação? Existe alguma possibilidade de extinção da pobreza extrema sem acesso a uma educação pública e de qualidade?
"Querem mais? Querem pior? Tem mais e tem pior." O que dizer do novo Código Florestal, da Usina de Belo Monte, do conj. de Obras do PAC, do congelamento dos salário dos servidores públicos federais por 10 anos, da assepsia social que vem sendo promovida pelas obras da Copa... Faces de um modelo de desenvolvimento que continua privilegiando a garantindo lucros astronômicos as grandes coorporações e esmolas compensatórias a população mais pobres (ironicamente chamados de programas sociais)