Pular para o conteúdo principal

Uma proposta de reestruturação para a tv brasileira

Reproduzo artigo de Valério Brittos e de César Bolaño apresentando à sociedade brasileira uma proposta de reestruturação da televisão de massa O texto foi publicado, originalmente, no site Observatório da Imprensa, na sua edição 661, a 27/09/2011

Uma proposta de reestruturação

Por Valério Cruz Brittos e César Ricardo Siqueira Bolaño

Apresenta-se aqui uma proposta de mudança estrutural da TV de massa no Brasil. O esboço de proposta aqui apresentado, que tem sido defendido pelos autores em diferentes fóruns e situações, é muito simples na sua formulação, embora envolva problemas de difícil solução no que se refere à construção social de uma nova institucionalidade que só será possível a partir de uma mudança efetiva na balança de poder entre os diferentes agentes envolvidos na regulação das comunicações. 

O Brasil conta, desde o início da década de 1970, com um sistema público estatal de televisão educativa, atingindo praticamente todo o território nacional, constituído por emissoras ligadas, na sua maioria, aos governos estaduais – com algumas poucas ligadas às universidades federais públicas presentes no respectivo estado da federação, como é o caso no da TV Educativa de Pernambuco. Trata-se de uma criação do regime militar instaurado no Brasil a partir de 1964, que optou por manter o sistema comercial privado, apoiando fortemente a sua concentração em torno da Rede Globo de Televisão, mas não abriu mão do controle de uma rede pública estatal. 

Princípio da complementaridade 

Um princípio que pode ser tomado como consensual é aquele constitucional da complementaridade entre os sistemas público, privado e estatal, mesmo que as definições de cada um desses conceitos ainda não existam, nos termos da lei, sendo a sua definição parte do problema, que não será tratada aqui. Em todo caso, pode-se partir dos seguintes princípios: 

a) O sistema privado não se pode eximir das obrigações de serviço público, visto tratar-se de concessão pública, exigindo, no caso dos países plenamente democráticos, contratos de concessão, cadernos de encargos e controle público sobre os conteúdos, de modo a evitar as distorções conhecidas no mercado brasileiro: censura privada e manipulação. 

b) O sistema público estatal deve submeter-se também a formas democráticas de controle público, evitando concentração de poder e uso político dos meios. 

c) O sistema público não estatal (ou privado sem fins lucrativos, se se preferir, como é o caso da TV comunitária, ou da universitária conhecida no Brasil), assim como o estatal, deve atuar excluído da lógica da publicidade comercial, salvo as exceções conhecidas de patrocínio cultural, conforme regulamentação específica. 

Três redes nacionais 

Tendo em vista que as necessidades do sistema público não estatal, não lucrativo, devem ser preenchidas, de alguma forma, pelo Estado, não diferindo, em essência, daquelas do público estatal (financiamento e qualificação técnica), pode-se pensar num modelo constituído, à moda europeia, no seu conjunto por dois setores (público e comercial). Do ponto de vista da complementaridade, à produção regional, independente e plural deve-se garantir direito de acesso à antena, tanto no sistema privado, quanto no público. 

Assim, pode-se pensar, como na Europa, em um sistema público constituído por três redes nacionais, a saber: 

a) Um primeiro canal centralizado, à maneira do que pretende ser a TV Brasil, com capacidade de concorrer pela liderança de audiência em nível nacional. Um canal deste tipo deveria propor-se a conquistar uma participação de 30% da audiência nacional (share). 

b) Um segundo canal mais segmentado – que poderia ser definido em nível estadual, como as atuais emissoras educativas, mas com o mesmo elevado grau de autonomia financeira e de gestão pensada para a primeira TV e dispondo de mecanismos semelhantes de controle público. Teria por objetivo algo em torno de 15% de share diário, podendo disputar espaço com a primeira rede em determinados momentos, através de uma programação mais vinculada à cultura local. 

c) O terceiro canal totalmente descentralizado, com uma grade estruturada à base de produção local independente, muito próximo do que deveria ser uma TV comunitária. A coordenação da grade se daria, de um modo geral, em nível local, mas o conjunto das emissoras desse sistema se articularia em rede nacional, em determinados horários, de modo a permitir que toda a produção local pudesse atingir, em algum momento, a audiência nacional, como ocorre tradicionalmente com a televisão pública alemã, por exemplo. Em média poder-se-ia supor um share de 5%. 

Homogeneidade da programação 

Evidentemente, tal proposta é para a televisão aberta. A TV pública também deve participar de alguma forma da televisão fechada, mas isso não será tão importante, no caso da consecução de uma proposta deste matiz. Se somados os índices propostos como objetivo para cada uma das três redes, tem-se participação em precisamente metade da audiência nacional, o que garante complementaridade e equilíbrio ao conjunto do sistema. Claro que, além dessas, permaneceriam, e com sinal aberto, as emissoras do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, com a incumbência explícita de transmitir as sessões do plenário e das comissões das respectivas casas, por exemplo, cumprindo sempre a obrigação de publicidade, sem preocupação com índices de audiência. Também o Canal Brasil, criado para atender à exigência legal de divulgação do cinema brasileiro, deveria ser distribuído em aberto, assim como outros canais de utilidade pública (como de t-government e educação à distância – EAD) e de serviço eventual. 

Na medida em que permite a ampliação do espectro, a TV digital serve à proposta aqui esboçada. Além disso, nas negociações em torno da reestruturação do sistema atual, visivelmente inadequado – seja do ponto de vista democrático, da competitividade sistêmica do país na área ou da preservação da diversidade cultural e da cultura brasileira –, será preciso discutir o interesse nacional em manter determinado tipo de empresa atualmente em funcionamento, que prima pelo oferecimento de todo tipo de conteúdo religioso, tele-compras e programação de qualidade duvidosa. 

Por certo, não cabe aqui julgar a programação das emissoras, mas é inegável que a sociedade brasileira deve dispor de mecanismos democráticos para tal, já que a própria homogeneidade da programação, que impera mesmo nas redes comerciais mais conhecidas, dadas as limitações do espectro – que se reproduzirão, aliás, em grande medida, na televisão digital, dada a solução a que se chegou, no Brasil, de deixar a decisão a respeito de sua utilização basicamente nas mãos dos atuais radiodifusores –, representa uma censura estrutural a qualquer conteúdo divergente daqueles definidos pelos setores hegemônicos da comunicação social, que ainda detêm o monopólio da mediação social no país. 

[Valério Cruz Brittos e César Ricardo Siqueira Bolaño são, respectivamente, professor titular no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos; e professor da Universidade Federal de Sergipe, coordenador do Obscom, presidente da Alaic e doutor em Economia pela Unicamp]

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Eleições para a reitoria da UFPA continuam muito mal

O Conselho Universitário (Consun) da UFPA foi repentinamente convocado, ontem, para uma reunião extraordinária que tem por objetivo discutir o processo eleitoral da sucessão do Prof. Carlos Maneschy na Reitoria. Todos sabemos que a razão disso é a renúncia do Reitor para disputar um cargo público – motivo legítimo, sem dúvida alguma, mas que lança a UFPA num momento de turbulência em ano que já está exaustivo em função dos semestres acumulados pela greve. Acho muito interessante quando a universidade fornece quadros para a política. Há experiências boas e más nesse sentido, mas de qualquer forma isso é muito importante e saudável. Penso, igualmente, que o Prof. Maneschy tem condições muito boas para realizar uma disputa de alto nível e, sendo eleito, ser um excelente prefeito ou parlamentar – não estou ainda bem informado a respeito de qual cargo pretende disputar. Não obstante, em minha compreensão, não é correto submeter a agenda da UFPA à agenda de um projeto específico. A de

Leilão de Belo Monte adiado

No Valor Econômico de hoje, Márcio Zimmermann, secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, informa que o leilão das obras de Belo Monte, inicialmente previsto para 21 de dezembro, será adiado para o começo de 2010. A razão seria a demora na licença prévia, conferida pelo Ibama. Belo monte vai gerar 11,2 mil megawatts (MW) e começa a funcionar, parcialmente, em 2014.

Ariano Suassuna e os computadores

“ Dizem que eu não gosto de computadores. Eu digo que eles é que não gostam de mim. Querem ver? Fui escrever meu nome completo: Ariano Vilar Suassuna. O computador tem uma espécie de sistema que rejeita as palavras quando acha que elas estão erradas e sugere o que, no entender dele, computador, seria o certo   Pois bem, quando escrevi Ariano, ele aceitou normalmente. Quando eu escrevi Vilar, ele rejeitou e sugeriu que fosse substituída por Vilão. E quando eu escrevi Suassuna, não sei se pela quantidade de “s”, o computador rejeitou e substituiu por “Assassino”. Então, vejam, não sou eu que não gosto de computadores, eles é que não gostam de mim. ”