Pular para o conteúdo principal

A ataraxia do meu pai

O recesso ao qual se submeteu este blog, nos últimos dias, se deve à necessidade que tive de acompanhar meu pai, numa longa internação, em um hospital. Qualquer finitude de vida é intempestiva, mas também não deixa de ser um fato quotidiano. E isso sem considerar que uma única vida pode possuir muitas finitudes. Aliás, o caso de meu pai, quando teve um AVC, há oito anos. Evento que, curiosamente, o lançou numa espécie de ataraxia, ou seja, plenitude de alma, plenitude de temporalidade, pelo fato de que permitiu-lhe lançar-se numa atividade furiosa de releitura dos livros que amava. Sujeito de sorte, o meu pai. Oito anos de releitura, relendo sua biblioteca inteira, ao ritmo de um livro por dia. Sujeito de sorte.

De qualquer forma, tratam-se, estes últimos dias, de apenas mais uma etapa de sua finitude. Não a definitiva. Apenas mais uma, com os processos paliativos devidos e com um imaginário de éter que, recuperando o que dizem as Escrituras, constitui o odor predominante na quinta esfera celeste.

O éter é a consolação de muitos. A literatura, a de muitos outros. Eu insisto na filosofia.

Heidegger sugere que, além do ente biológico que somos, somos também seres reflexivos, lançados ao mundo sem nenhum explicação e aterrados diante da constatação de nossa própria finitude. Somos seres-para-a-morte, evento que ocupa nossos dias e que nos ocupa na produção de suportes, sempre instáveis, de negociação com esse fato elementar. Esses suportes, os existenciários, produzem a linguagem, a arte, o quotidiano no qual nos esquecemos da existência e todas as outras pequenas corrupções do tempo de que somos capazes, dentre atos simbólicos e orgânicos, parciais e totais. Por meio dessas pequenas corrupções do tempo é que, de fato, existimos.

Porém, creio necessário e mesmo fundamental, convivermos com a finitude da vida, fato obviamente banal e que não deve repugnar nem mesmo por seu excesso. Eu, por exemplo, acho muito importante mostrar ao meu filho a finitude da vida, presente em tudo que nos envolve, numa quotidianidade a bem dizer intempestiva.

Pensando nisso, e ainda na ataraxia de meu pai, observo que uma das coisas que ele sempre procurou me ensinar, dentre talvez não muitas, foi que é necessário dissimular os existenciários, mantê-los na reserva digna do privado, do obscuro. Não desvelar os afetos que se tenha de maneira propositiva. O próprio sentido da ataraxia não revela seus êxitos.

Continuemos, então.

Comentários

Marise Morbach disse…
É preciso caríssimo: continuar!
Karina disse…
Fábio fiquei apreensiva com o teu pai!!!
hupomnemata disse…
Obrigado pelo apoio, Marise e Karina.

Postagens mais visitadas deste blog

Eleições para a reitoria da UFPA continuam muito mal

O Conselho Universitário (Consun) da UFPA foi repentinamente convocado, ontem, para uma reunião extraordinária que tem por objetivo discutir o processo eleitoral da sucessão do Prof. Carlos Maneschy na Reitoria. Todos sabemos que a razão disso é a renúncia do Reitor para disputar um cargo público – motivo legítimo, sem dúvida alguma, mas que lança a UFPA num momento de turbulência em ano que já está exaustivo em função dos semestres acumulados pela greve. Acho muito interessante quando a universidade fornece quadros para a política. Há experiências boas e más nesse sentido, mas de qualquer forma isso é muito importante e saudável. Penso, igualmente, que o Prof. Maneschy tem condições muito boas para realizar uma disputa de alto nível e, sendo eleito, ser um excelente prefeito ou parlamentar – não estou ainda bem informado a respeito de qual cargo pretende disputar. Não obstante, em minha compreensão, não é correto submeter a agenda da UFPA à agenda de um projeto específico. A de

Leilão de Belo Monte adiado

No Valor Econômico de hoje, Márcio Zimmermann, secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, informa que o leilão das obras de Belo Monte, inicialmente previsto para 21 de dezembro, será adiado para o começo de 2010. A razão seria a demora na licença prévia, conferida pelo Ibama. Belo monte vai gerar 11,2 mil megawatts (MW) e começa a funcionar, parcialmente, em 2014.

Ariano Suassuna e os computadores

“ Dizem que eu não gosto de computadores. Eu digo que eles é que não gostam de mim. Querem ver? Fui escrever meu nome completo: Ariano Vilar Suassuna. O computador tem uma espécie de sistema que rejeita as palavras quando acha que elas estão erradas e sugere o que, no entender dele, computador, seria o certo   Pois bem, quando escrevi Ariano, ele aceitou normalmente. Quando eu escrevi Vilar, ele rejeitou e sugeriu que fosse substituída por Vilão. E quando eu escrevi Suassuna, não sei se pela quantidade de “s”, o computador rejeitou e substituiu por “Assassino”. Então, vejam, não sou eu que não gosto de computadores, eles é que não gostam de mim. ”