Pular para o conteúdo principal

Heranças à Esquerda 25

O marxismo Ocidental 8: Antonio Gramsci 2
Gramsci nos ensina a procurar as relações de força em toda relação social. A procurar distinguir entre o que é orgânico e o que é ocasional. Ou seja, a perceber a diferença entre os movimentos heterogêneos da história.
Para fazê-lo, precisa-se perceber que num determinado cenário conjuntural de disputa pode haver muitas forças em movimento. Algumas delas são forças, por assim dizer, orgânicas – forças imbricadas no processo histórico que possibilitou aquele cenário conjuntural. Porém, há outras forças, oportunistas, que se imiscuem neste cenário. São as forças ocasionais, ou conjunturais. Algumas dessas forças ocasionais são potências dissimuladas, de longa duração na história mas que tomam forma nova a cada conjuntura. São forças antagonistas que procuram dominar o cenário conjuntural, desconstituir as forças orgânicas e triunfar. Muitas vezes, são forças que tomam uma nova forma social porque já foram superadas em outra conjuntura. Foram superadas mas dissimulam, porque, afinal, nenhuma força social vai confessar que foi superada. Melhor assumir uma nova aparência, melhor dissimular.
Tudo isso deriva de uma lei social básica, que diz que nenhuma sociedade se desorganiza espontaneamente, ou, dizendo melhor, nenhuma sociedade perece até que todas as formas de vida implícitas nas suas relações se desenvolvam.
A fundo, Gramsci nos ensina a historiar o presente, partindo da concepção de que tanto a história como a política tem por função prática a atividade de reconstituir a história, embora não a história passada, mas a atual, a história do presente, que é feita necessariamente com a soma dos fatos do passado.
Para analisar o presente, a conjuntura, a grande dificuldade é separar o orgânico do conjuntural. A princípio, todos os agentes sociais se verão como orgânicos, se historiarão, bem como aos outros, por meio de sua própria perspectiva histórica. Daí a importância da autocrítica, sem a qual nenhuma conjuntura será realista.
A interpretação da história não pode ser vista como uma “causa”. Por isso, a inteligência está em observar a correlação de forças presentes na conjuntura. Num primeiro plano, existem as forças estruturais, relacionadas à estrutura geral do corpo social e de mutação lenta, porque são protegidas por uma série de regras e estratégias de auto-reprodução. Num outro plano, o drama das forças políticas, em seu litígio, em sua disputa. Mas haveria vários outros planos de forças sociais em disputa: militar, religioso, cultural, jurídico... Todos eles imiscuídos entre si. Na verdade, importa menos o “plano” em que se localizam essas forças que o termo correlação. Correlação significa a capacidade dos agentes políticos de colocarem as forças, mesmo que as negativas, conjunturalmente, a seu serviço.
E isto, precisamente, vem a ser a famosa “luta hegemônica”: a arte de costurar a conjuntura. A arte de tornar correlatas as esferas mentais e materiais do poder. Porque a hegemonia é a combinação de liderança com força. O que é a liderança? Uma oportunidade de comando, que deriva do atributo político, moral ou intelectual de alguém. E o que é a força? Uma potência-de-fazer, que deriva do poder, imposto ou concedido.
Veja o texto anterior desta série, também sobre Gramsci, aqui.
E ainda sugiro o texto da série sobre Walter Benjamin.

Comentários

Anonymous disse…
Professor, façamos um exercício teórico-prático a partir da nossa realidade. Na sua opinião, quais as forças que na disputa política que travamos no País e no Estado são orgânicas ou são conjunturais e por que nos parece cada vez mais nítido que, em alguns lugares como no Pará, por exemplo, as forças históricas parecem à mercê do contigente, vide o caso PT versus PMDB no Pará. Ou os dois são partidos apenas conjunturais numa perspectiva de esquerda?

Postagens mais visitadas deste blog

Eleições para a reitoria da UFPA continuam muito mal

O Conselho Universitário (Consun) da UFPA foi repentinamente convocado, ontem, para uma reunião extraordinária que tem por objetivo discutir o processo eleitoral da sucessão do Prof. Carlos Maneschy na Reitoria. Todos sabemos que a razão disso é a renúncia do Reitor para disputar um cargo público – motivo legítimo, sem dúvida alguma, mas que lança a UFPA num momento de turbulência em ano que já está exaustivo em função dos semestres acumulados pela greve. Acho muito interessante quando a universidade fornece quadros para a política. Há experiências boas e más nesse sentido, mas de qualquer forma isso é muito importante e saudável. Penso, igualmente, que o Prof. Maneschy tem condições muito boas para realizar uma disputa de alto nível e, sendo eleito, ser um excelente prefeito ou parlamentar – não estou ainda bem informado a respeito de qual cargo pretende disputar. Não obstante, em minha compreensão, não é correto submeter a agenda da UFPA à agenda de um projeto específico. A de...

UFPA: A estranha convocação do Conselho Universitário em dia de paralização

A Reitoria da UFPA marcou para hoje, dia de paralização nacional de servidores da educação superior, uma reunião do Consun – o Conselho Universitário, seu orgão decisório mais imporante – para discutir a questão fundamental do processo sucessório na Reitoria da instituição. Desde cedo os portões estavam fechados e só se podia entrar no campus a pé. Todas as aulas haviam sido suspensas. Além disso, passamos três dias sem água no campus do Guamá, com banheiros impestados e sem alimentação no restaurante universitário. Considerando a grave situação de violência experimentada (ainda maior, evidentemente, quando a universidade está vazia), expressão, dentre outros fatos, por três dias de arrastões consecutivos no terminal de ônibus do campus – ontem a noite com disparos de arma de fogo – e, ainda, numa situação caótica de higiene, desde que o contrato com a empresa privada que fazia a limpeza da instituição foi revisto, essa conjuntura portões fechados / falta de água / segurança , por s...

O enfeudamento da UFPA

O processo eleitoral da UFPA apenas começou mas já conseguimos perceber como alguns vícios da vida política brasileira adentraram na academia. Um deles é uma derivação curiosa do velho estamentismo que, em outros níveis da vida nacional, produziu também o coronelismo: uma espécie de territorialização da Academia. Dizendo de outra maneira, um enfeudamento dos espaços. Por exemplo: “A faculdade ‘tal’ fechou com A!” “O núcleo ‘tal’ fechou com B!” “Nós, aqui, devemos seguir o professor ‘tal’, que está à frente das negociações…” Negociações… Feitas em nome dos interesses locais e em contraprestação dos interesses totais de algum candidato à reitoria. Há muito se sabe que há feudos acadêmicos na universidade pública e que aqui e ali há figuras rebarbativas empoleiradas em tronos sem magestade, dando ordens e se prestando a rituais de beija-mão. De vez em quando uma dessas figuras é deposta e o escândalo se faz. Mas não é disso que estou falando: falo menos do feudo e mais do enf...