O que coloquei nos dois posts anteriores (aqui e aqui) são, apenas, ligeiras observações, na luta tática pela afirmação de tendências latentes de voto. Só isso. São observações feitas com a perspectiva, sempre manipuladora, da comunicação.
Agora, eu queria, na verdade, é fazer observações sobre a dimensão ideológica da campanha do Não.
Que está uma merda! Uma grande merda! Olhem que guardo palavrões para ocasiões que realmente mereçam seu emprego. Sou comedido deles porque respeito sua eficácia simbólica, como sabem os que me conhecem mais de perto… (isso é humor, se não esclareço ainda vão me criticar por bobagens como essa, como de vez em quando acontece aqui no blog).
E o caso, infelizmente, é que a ocasião merece seu emprego.
Por que? Porque acho a coisa mais ridícula esse negócio de “paraensismo”. Uma burrice extraordinária. Um cinismo antológico. Uma arrogância histórica.
Eu não quero a união do Pará porque o estado tem “vocação para a grandeza”, porque “tem uma cultura maravilhosa” ou porque “juntos seremos imbatíveis”.
Não digo “não” porque tenho alguma “vontade de potência”…
Quero a união do Pará porque acredito que precisamos de um projeto de sociedade, e não de um projeto ridículo e diminuto de comunidade.
Acredito na diversidade, não na padronização. Penso que a dinâmica cultural está baseada no múltiplo, no híbrido, no imperfeito e no encontro. Nunca, jamais, na afirmação do mesmo.
E, porfim, quero a união do Pará porque percebo que os projetos do Sim são oportunistas e tentaram abocanhar o que podiam do Pará remanescente.
Também voto do Não porque o Pará remanescente seria um estado extremamente pobre, quase inviável.
Agora, esse negócio de ficar elogiando um tal de paraensismo, que, de resto, não existe senão em mentes pesarosas e apocalípticas, é de uma mediocridade à toda prova.
É um pensamento torpe, que só pode surgir e se nutrir à partir de uma visão de classista da realidade.
Esse negócio de paraensismo alimenta a barbárie, a raiva e a ignorância.
Para mim, é coisa das elites mais sórdidas e dos artistas mais medíocres. Dos intelectuais mais conservadores. Das classes medias mais desinformadas e convencionais. Dos idiotas mais idiotizados e dos imbecis mais imbecilizados de que se possa ter notícia neste eternamente infeliz Pará.
Acho uma grande pena que a campanha contra a divisão tenha enveredado por esse caminho, que não tem futuro e nem tem passado. Se continuar por aí, pode até garantir a união – já que está manipulando emoções e sentimentos torpes –, mas vai perder o bonde da história: vai perder a oportunidade de aproveitar este “fundo do poço” em que estamos para construir uma sociedade realmente nova e que daí poderia surgir.
Comentários
Boa provocação. Destaco uma frase sua como sendo extremamente elucidativa da situação:
"Quero a união do Pará porque acredito que precisamos de um projeto de sociedade, e não de um projeto ridículo e diminuto de comunidade".
E aproveito para lhe perguntar qual seria, exatamente, a diferença entre essas duas posições. Muitas coisas passam pela minha cabeça, e a frase continua martelando, desde que a li, há umas duas horas. Resolvi voltar aqui para lhe fazer essa perguntinha.
Abração, professor,
Lourdes.
Precisamos fazer todas as leituras desse momento, que é único, e dificilmente teremos nos próximos anos condições de retomar essa discussão.
Legal seu comentário, valeu. Tenho uma tia que telefonou para dizer que eu estava agressivo nesse post. 85 anos e a história também passa por ela.
Seu comentário é muito correto. Acrescentaria: divide-se ainda a complexidade, as tensões, as incoerências - que são, também elas, e apesar de ter gente que pensa o contrário, coisas muito ricas.
Um projeto de sociedade é um projeto amplo, que ousa pensar o futuro e que admite a complexidade social, respeitando-a como um fato construtivo.
Um projeto de comunidade é um projeto aberto para o passado e fechado para o futuro. É um projeto conservador, que se fecha sobre si mesmo, negando a diversidade, a diferença, o confronto inerente ao processo social e toda forma de mudança.
Sua "releitura" me honra, dona Lourdes!
Abraço.
Eu penso que o Tapajós seria constituído, na verdade, por três blocos sociogeográficos bem diferentes: o Baixo Amazonas (centrado em Santarém mas cujo eixo dinâmico é a Calha Norte), o Xingu (centrado em Altamira e que enfrentará os dilemas causados por Belo Monte) e o Alto Tapajós, (centrado em Itaituba, mas com forte tendência de crise socioambiental ao longo da 163).
Além de tudo, a questão da inviabilidade que vc aponta (terras protegidas e da união) teria um peso decisivo no processo desse estado, se criado.
De fato, o Tapajós, se criado, viveria uma tensão política constante: de um lado o difícil desenvolvimento sustentável (que sempre exige uma base institucional forte e sólida) e de outro a pressão da economia predatória.
Coragem para criticar os erros do Não e respeitar os acertos da campanha pelo Sim!
Isso mostra que dá para debater debater entre irmãos, sempre com respeito e tolerância.
Somente assim teremos um Pará realmente grande. Unido de verdade!
Precisamos de vozes que ajudem a ponderar, e não de discursos que são, ao mesmo tempo, inflamados e vazios.
Mais uma vez parabéns.
Dr. Abel.
território que restaria ao Pará que,aliás, é o de maior densidade eleitoral. Sei de sua grande experiência em marketing político e fico curioso em vê-lo tão equivocado nessa campanha.
Esse post fala sobre a dimensão ideológica presente na defesa de um Pará grande, um tema central tanto na campanha em TV e rádio da frente pelo Não como também no imaginário geral de defesa do Não.
Você viu os dois posts logo anteriores? Eles reportam, diretamente, à campanha. Neles, menciono os pontos positivos que vc assinala.
Penso que é preciso separar a eficácia simbólica de uma campanha midiática da dimensão simbólica presente na cultura, na sociedade. Não são a mesma coisa, apesar de muitos profissionais da comunicação desejarem que sim. A primeira tende a reproduzir ou a procurar firmar um senso comum, que funciona com base em simplificações. Já a dinâmica cultural é sempre mais complexa.
Minha crítica é mais propriamaente à dimensão ideológica, e não ao fazer prático da campanha ou às estratégias da campanha. Entendeu?
Grande abraço e fique em paz.
Seu comentário é absurdo, você tem consciência disso?
É óbvio que tenho todo o direito de "me meter", como você diz, no debate sobre a divisão do Pará. Sou paraense, voto aqui e estou preocupado com os rumos da campanha.
E "dou pitaco" porque essa campanha anda muito "tucana", excessivamente emotiva e sem elementos consistentes que permitam uma discussão sobre o tema - como se a população não fosse minimamente politizada.
Você, que se julga dono do "bom senso", deveria saber que o bom senso se constrói por meio da discussão aberta e franca, democraticamente.
Você deveria trabalhar mais - na campanha do Não, pelo visto - em vez de exigir que as pessoas sigam, simplesmente, um direcionamento que, evidentemente, está equivocado.