Sobre o colonialismo interno brasileiro, mas sobretudo sobre o autocolonialismo interno brasileiro, e nosso, paraense, em particular, encontrei este texto no blog Samba do Avião.
Homens invisíveis
Um excelente artigo do Leonard Pitts desce o malho no vice-governador da Carolina do Sul, que num acesso de honestidade comparou os pobres a vira-latas, e fala de como falta voz e consciência de si aos pobres nos EUA. E estava lendo sobre a história ambiental da China, especificamente sobre a história do uso da água por lá, e descobri que até hoje o governo chinês resiste a se utilizar dos recursos hídricos tibetanos, apesar do Tibete sozinho ter um potencial hidrelétrico mais ou menos equivalente ao do Brasil inteiro, e um quase-nada de gente.
As duas coisas juntas me pensaram nas vantagens de se ser colônia de verdade sobre ser colônia de fato. Afinal, numa colônia de verdade, a dominação, e portanto a responsabilidade - chame de noblesse oblige, se quiser - ficam evidentes, enquanto no caso de locais em situação de exploração mas sem laços oficiais, abundam as declarações compungidas de que "esquecemos" a região. A China não quer enfiar as garras no Tibete porque sabe que, com o enorme movimento Free Tibet (principalmente derivado do carisma do Dalai Lama, e da atração que uma versão pasteurizada do budismo exerce em Hollywood), se fizesse isso seria atacada por fazê-lo no mundo inteiro, sem contar a resistência local. Pelo contrário, as transferências de riqueza se dão no sentido China-Tibete. Enquanto isso, no coração histórico da própria China, na região das Três Gargantas, faz uma megausina que inclusive é maior do que precisaria ser por razões de prestígio nacional. (Na área do lago, poderiam ser feitas, ao invés de uma usina de 18Gw, três de 7Gw, a custos ambientais, humanos e financeiros menores, mas aí nenhuma delas seria a maior do mundo.)
Enquanto isso, no Brasil não se tem nenhum problema em explorar regiões remotas no interesse das regiões dominantes. Pelo contrário, principalmente em São Paulo mas também no resto do Sul-Sudeste, pessoas têm a noção bizarra de que "sustentam" o Norte-Nordeste. E tome-lhe Belo Montes e Jiraus e Carajás, num esquema de exploração de recursos minerais bem colonial. Assim como, nos EUA, famosamente as pessoas superestimam em 4.000% o valor da ajuda externa doada pelo país, e acham que eles que transferem riqueza aos países subdesenvolvidos.
No ocaso do colonialismo, quando começou-se a desenvolver algum tipo de consciência, a transferência de riqueza ainda ia no sentido colônia-metrópole, mas em grau menor do que atualmente; do mesmo jeito, os estados de bem-estar derivaram, todos, de uma consciência de classe forte e da vontade da elite de apaziguar as massas famélicas. (Nesse sentido, o Brasil, com um estado de bem-estar aparecendo neste momento histórico, talvez seja uma exceção.)
Não é que der esmola atrapalhe a revolução, nem que se os franceses jogassem críquete com seus servos como nós não teria havido esse problema. Mas é que, sim, uma igualdade oficial e uma comunidade imaginária podem ser obstáculos para igualdade e comunidades reais.
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