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Mostrando postagens com o rótulo Filosofia

Live: Intersubjetividade e compreensão em Alfred Schutz

50 anos de "A Construção Social da Realidade"

Este ano se comemoram os 50 anos de um livro que se tornou rapidamente célebre e que eu releio constantemente: A Construção Social da Realidade, de Peter Berger e Thomas Luckmann.  Segundo o ranking establecido pela Asociação Internacional de Sociologia, esse livro é o quinto mais influente nas ciências sociais do século XX. A casa dos autores - e de seu mestre, Alfred Schutz e de sua sociologia fenomenológica - ah, e ainda, do caro amigo Cláudio Puty, a igualmente célebre New School for Social Research está organizando, amanhã, um seminário para festejar o aniversário. O evento contará com a presença dos próprios Peter Berger e Thomas Luckmann, que participarão do evento em video-conferência. Mais informações no site do evento: The Social Construction of Reality at 50

Meu novo artigo: A sociologia fenomenológica de Alfred Schutz

Acabou de ser publicado mais um artigo de minha autoria: "A sociologia fenomenológica de Alfred Schutz". O artigo foi publicado no vol. 48, tomo 1, da revista de Ciências Sociais da Unisinos. Segue o resumo: A sociologia fenomenológica de Alfred Schutz Fábio Fonseca de Castro Resumo: Este artigo elabora uma revisão biobibliográfica do pensamento de Alfred Schutz e de seu projeto em constituir uma sociologia fenomenológica. O trabalho de Schutz se situa na confluência da sociologia compreensiva de Weber com a fenomenologia de Husserl, podendo ser compreendido na perspectiva de uma teoria antiessencialista cujo principal pressuposto é a rejeição de uma integral racionalidade do real. Sua proposição seria refundar, fenomenologicamente, a sociologia compreensiva. Não obstante, para fazê-lo, foi necessário elaborar uma crítica da egologia transcendental husserliana, com a qual é possível lançar o tema da subjetividade numa perspectiva sociológica, estabelecendo a ma...

Um texto de Kenneth David Jackson sobre Benedito Nunes

Reproduzo o artigo de Kenneth David Jackson sobre Benedito Nunes, originalmente publicado no blog do professor  Flávio Nassar. O autor é  professor de Literatura Brasileira em Yale-USA. Foi amigo de BN e bem o conheceu. Nessa condição, foi convidado a participar do Colóquio Luso-Brasileiro de História da Arte, realizado em Belém há duas semanas: Comemoramos hoje o nosso amigo, Benedito Nunes, um homem generoso e fino, dedicado ao ensino e ao saber, à filosofia, às artes e à literatura, leitor e pesquisador incansável, escritor e professor entre os mais eminentes do nosso tempo. Estudou na Sorbonne, foi sempre chamado pelas grandes universidades, mas escolheu ficar em Belém, viver e trabalhar aqui, entre livros, colegas, alunos e familiares. Dedicou-se, nos seus muitos livros e ensaios, ao nexo entre a poesia e a filosofia.   Não conheço Belém sem Benedito Nunes. Belém sem Benê é como Paris sem a Torre Eiffel, Londres sem Big Ben ou Nova York sem o Empire State. Sumiu o qu...

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Cabe falar sobre a morte, mas não como fato, e sim como fenômeno. Do ponto de vista da analítica existencial, a morte não é um fato da vida - já que ela põe fim à vida e com a exceção do ato exato e preciso do morrer. O que é fato da vida é ter em mente a inevitabilidade da morte. Diz Heidegger que o Ser-aí é, na prática, um ser-para-a-morte, um ser que se projeta diante da certeza da sua falibilidade. 

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Sabem o que eu acho muito engraçado em Heidegger? O fato de que, naquela obra meio impenetrável que é Ser e Tempo, ele chega a fazer bricadeirinha. Brincadeirinha de ficção, transpondo para a normas duras da filosofia certa estrutura da narração ficcional, criando um suspensezinho. É o seguinte: há, em Ser em Tempo, uma história que é contada no comecinho e que depois vai e vem, como se anunciando que vai se tornar importante na “trama” que está sendo espalhada. Às vezes é uma historinha, às vezes é um personagem, mas é só lá quando o livro está bem avançado que a coisa surge, com um impacto dramático meio romanesco, e nos surpreende, nos deixa boquiabertos, nos faz ter impressão de que o autor estava brincando conosco. E a partir daí essa coisa, ou esse personagem, toma conta de tudo e nos faz perceber que tem um papel central na história que está sendo contada. Estou me referindo ao conceito de preocupação. Não o de angústia (Angst), tema Kirkegaardiano por excelência, e também im...

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Mas, para isso, temos que fazer esforço. Podemos respeitá-lo, reverenciá-lo, mencionar o reconhecimento de sua obra ou até mesmo a figura humana peculiar e admirável que foi. Podemos chamá-lo de Bené, podemos recolher as flores do seu triunfo, podemos reivindicar proximidades, até. Mas nada disso o munda (es weltet). Tudo isso é a experiência de BN, mas não sua vivência. Para alcançar sua vivencia temos que ter o trabalho de ler sua obra com a paixão da descoberta, do encontro, da alegria primeva da leitura. É que a obra de BN munda a ela própria.

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Heidegger disse que Husserl descreveu, apenas, os Gegebensein, ou seja, os modos de ser herdados, recebidos, dados. Dizendo de outra forma: as consciências já orientadas, que decorrem da experiência. Ele, Heidegger, pretende ir além, deseja nomear o ato de vivenciar, que é uma forma peculiar de experiência. Diz que a orientação da experiência é uma excessão na prática do estar no mundo, na prática do ser. E, então, fala sobre a vivencia do mundo em torno (Unwelterleben). Depois de sua morte, pode ser que Benedito Nunes seja uma experiência, mas provavelmente, ele ainda munda. Ele ainda é vivencia. BN é um mundador. Sua obra munda, mundifica Heidegger e a si mesmo. Para alguns... (dizer "para alguns" é o sentido de tudo isso... não que só "alguns" devam ter acesso a tudo isso, mas é que só a alguns isso tudo tem algum sentido...). Ainda sobre Benedito Nunes: Benedito Nunes, saudade! Beneditinas 1 Beneditinas 2 Beneditinas 3 Beneditinas 4 Beneditinas 5 Beneditinas ...

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Cá enumero esses mundos: o mundo-em-torno (Umweltliche), o caráter-de-mundo (welthaft) que certas coisas que não pertencem ao mundo-em-torno têm, e, se podemos dizer assim, o mundo que se torna mundo, que advém mundo, que, enfim, … munda (es weltet). Ainda sobre Benedito Nunes: Benedito Nunes, saudade! Beneditinas 1 Beneditinas 2 Beneditinas 3 Beneditinas 4 Beneditinas 5 Beneditinas 6 Beneditinas 7 Beneditinas 8 Beneditinas 9 Beneditinas 10 Beneditinas 11 Beneditinas 12

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Guimarães Rosa era o encontro do outro-mundo neste mundo e Clarice Lispector era o contrario: o encontro deste mundo no outro-mundo. Os dois encatavam Benedito Nunes por essa sua constante característica de dar mundo ao mundo. Quer dizer – sendo mais preciso – de dar ao mundo o mundo que já é seu, que lá está, que faz parte das suas angústias. O mundo… munda , dizia Heidegger. Isso, aliás me lembra o personagem Raimundo, o Mundo, de Hatoum em Cinzas do Norte: ele dá mundo ao seu mundo sem que isso lhe salve, sem que seja bom ou ruim. Às vezes tenho impressão de que Hatoum escreveu esse romance pensando em BN. Ainda sobre Benedito Nunes: Benedito Nunes, saudade! Beneditinas 1 Beneditinas 2 Beneditinas 3 Beneditinas 4 Beneditinas 5 Beneditinas 6 Beneditinas 7 Beneditinas 8 Beneditinas 9 Beneditinas 10 Beneditinas 11

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Intrigante (e divertido) é perceber o que, de Heidegger, não há em Benedito Nunes. Essa diferença, acho, tem um núcleo: a zona de modernidade à qual  pertencem. Mas é preciso um ponto de referência para falar sobre isso, e esse ponto é um objeto, uma tese, que pode servir para relativizar a distância de cada um em relação ao modermo: a idéia de Geltung, validade, de Husserl. A modernidade de Heidegger é traída e ressentida. É uma modernidade que matou seus deuses e que não oferece sobras a ninguém. A modernidade de BN, por sua vez, já fez o luto de si mesma e já está resignada. Para vencer a sua batalha – que era de natureza cristã – a validade de Heidegger era medieval, nominalista (e cristã): supratemporal. A de Benedito tem certa crença no tempo cíclico, certo realismo fantástico que, talvez, decorra de sua vivência amazônica (mas só talvez, afinal a condição amazônica, paraense, é a coisa imponderável de BN). A Heidegger é Deus que lhe parece um problema desnecessário e inconc...

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No entanto, podemos nos permitir uma clareira, ao menos: a percepção de que o círculo hermenêutico, no horizonte do seu processo, da sua ação interpretativa, anula a todas as grandes figuras abjetas da transparência, do espelhamento, da consciência e da reflexão. O círculo hermenêutico de Benedito Nunes, foi acurado nesse ponto: o ser histórico que ele antevia era inelutável e intransparente; o ser-aí que ele descrevia era a própria anti-consciência; o corte hermenêutico que ele processava (e, aqui, penso sobretudo na sua análise literária) era exato, duro e frio - não deixava cauda para o mundo, impedia toda duplicação do mundo na consciência e pela consciência. BN era a interpretação pura e incondicional.

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Há uma presença profunda do mestre Gadamer em Passagem para o Poético. Gadamer aplicou, usou, com sua analítica, o círculo hermenêutico de Heidegger da maneira mais apropriada possível. BN fê-lo também, em Passagem para o Poético, que é, provavelmente, seu livro mais importante. Há uma fonte secreta nessa linha de autores: o parágrafo 32 de Ser e Tempo, no qual Heidegger declara que interpretar é desenvolver as possibilidades projetadas na compreensão. O poético de que fala BN é isso: a compreensão da interpretação. Apressadamente, podemos concluir que está aí o círculo hermenêutico. Mas não sejamos tão apressados. Não concluamos nada; apenas interpretemos. É os que eles mandam, afinal.

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Mas, de fato, gostaria era de recuperar, dentre os seus grande temas, a questão do equívoco entre os limites da subjetividade e os da existência. São os equívocos de Kirkegaard, como seu aconismo , limitando a realidade do ser humano à sua subjetividade.  Equívocos que Clarice Lispector desfazia, quando criava uns mundos tão irrisórios, diante da subjetividade de seus personagens, que não havia como não se pensar na inalcançabilidade (com o perdão da palavra) da existência deles. O "coração selvagem", por exemplo, sempre me pareceu uma piada a respeito do mundo da vida. Uma coisa que não precisa dizer ou estar e nem mesmo, simplesmente, ser, porque como se sabe, como nos ensiva Clarice, "tudo que existia forçosamente existia" .

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E BN o fez com imensa generosidade, o que, como se sabe, lhe era natural. Aliás, a generosidade era um tema pouco explorado por ele, mas que parecia sempre estar ao lado de certa parte do seu trabalho. Na sua percepção de Guimarães Rosa, por exemplo, porque há certa constância, no professor Benedito, de se referir a ele como um provedor de mundo, um doador de sentidos, um operador do "carnal no espiritual". A ação de dar espírito à natureza é, provavelmente, uma forma de generosidade. O que parece ser uma virtude, aos olhos de BN - mas não que ele o diga. Não se tratava de alguém que gostasse de nomear virtudes, mas, afinal, não parece que ele, a respeito dessa mundidão de GR, assim pensava?

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Em meus anos de mestrado fui dominado por uma paixão fervorosa pela leitura da minha “razão troiana”. Por um imperialismo bibliográfico desmensurado; por uma gula fenomenológica pré-aritimética; por um egoísmo semi-hegeliano que fazia com que eu me sentisse dono, ao menos sócio, da incauta biblioteca da UnB. Ao ponto de não me quererem mais na comunicação. A professora Clara Alvim me perguntava: “Porque você não vai para outro programa?”. O professor Murilo Ramos insinuava que meu “objeto” não era “nem comunicativo e nem midiático “. O professor Sérgio Porto já nem me dava confiança. O zelador da Faculdade exigiu que eu lhe devolvesse as chaves do  eu armário. Melhor explico: meu trabalho, sob a influência da “razão troiana” estava no campo da cultura e tentava ser uma sociologia fenomenológica da experiência cultural, tal como, eu ao menos, o entendia. Ocorre que só eu o entendia. O que, obviamente, não é merito algum. E também ocorre que, naquele tempo, não havia se dado o fec...

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Da obra de Benedito Nunes fui, primeiramente, um leitor desarvorado e irresponsável. Depois, acalmei-me, disciplinei-me, tomei-lhe a bênção da razão. Não sendo formado em filosofia, não a tendo estudado, cheguei a ele após descobrir, em Brasília, onde fazia meu mestrado, no começo dos anos 1990, que havia no mundo, qual um fantasma no cativeiro, a sombra do grande conflito hermenêutico. Um feiche de encontros preparou-me esse caminho: a obra de Eudoro de Souza, a leitura de Verité et Methode, de Gadamer e, em seguida, de Tempo e Narrativa, de Ricoeur. A contribuição da Biblioteca da UnB para essa descoberta foi imensa e logo decidi que minhas tardes de sábado passariam a ser dedicadas à leitura dessa turminha que, embora não sem ironia, apelidei de “a razão troiana”. Minha razões são íntimas; um dia explico. Fiz um programa de leituras que começava por Heráclito. Os iniciados saberão o que significa isso. Em algum tempo cheguei a Husserl, depois a Weber, depois a Schultz, depois a H...

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Tive muitos professores, e posso dizer, sem nenhuma dúvida, que Benedito Nunes foi o mais importante deles. Mais importante para mim, para a minha relação privada e pessoal com a estranheza do mundo. Ele corrigiu, no tempo hábil, meu existencialismo imaturo e reles – “Sartreano, sartreano!” ele acusou-o, uma vez, há uns 15 anos atrás, do fundo da sua poltrona, na Torre. Seu julgamento a respeito de Sarte era severíssimo. A ponto de considerar que a  principal utilidade do ilustre filósofo era a de demonstrar, com seu próprio exemplo, os erros a que se pode chegar pela via metafísica do existencialismo – ou seja, quando a analítica existencial se deixa levar pelos enganos daquilo que a péssima tradução brasileira de Ser e Tempo denomina “pre-sença”. Aliás, essa tradução parecia ser a pedra no sapato do velho mestre – uma opinião compartilhada por muitos mas ignorada por mim, infeliz de não saber alemão e que alcancei o Heidegger do céu de Benedito, depois de muito amargar tantas...

Beneditinas 3

O acaso do consolo tem o cinismo de Descartes naquelas cartas que ele escreveu a Elizabeth da Boêmia. Bem o sei. Maria Sylvia e outras pessoas muito próximas precisarão e merecerão o consolo do afeto, mas a lição do meu consolo, se nele há alguma, pode até servir para os leitores de Benedito e para as comuns pessoas, sem acaso e nem um pingo, nem mesmo um pingo, do cinismo cartesiano. É que se trata do consolo – para continuarmos cartesianos – de ethica ordine . Quando falo sobre a morte de alguém que foi grande e que, particularmente, foi grande na filosofia da existência, o que me vem à mente é que a morte materializa a ruptura com toda a angústia de sermos-aí, cruelmente lançados ao mundo, sem resposta dele e de nada. É que a morte nos libera da humilhante angústia que nos acompanha durante toda a vida e que é a angústia de nem saber para que estamos aqui, se é que se pode sabê-lo, se é, até mesmo, que se está… Essa forma de consolação poderá alimentar a alguns e mais aos meus cã...