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Mostrando postagens de março, 2020

Diários Confinados 3 – Sobre peste, quarentenas, estigmas e tabus

Hoje eu ia ler o « Decamerão » – leitura apropriada para nosso isolamento – mas acabei encontrando o « Stigmata », de Erving Goffman, e me distraí. Incomodado com um trecho, parti em busca de «  Purity and Danger  »,   de  Mary Douglas, e acabei encontrando o Levítico. Não li nada direito. Continuei confinado, de quarentena, pesando nas ordens que Deus deu ao sacerdote Aarão, irmão mais velho de Moisés: as ordens de separar o impuro do puro.  Nestes tempos nos quais as marcas das impurezas virais são tão dissimuladas, bem sabemos que nada, nem os estigmas estudados por Erving Goffman, nem os tabus estudados por Mary Douglas, têm o poder de separar o impuro do puro. E, por via das dúvidas, restamos todos impuros – de quarentena. Pelo menos restamos acreditando, ao menos isso, que basta lavar muito bem as mãos e usar uma máscara, quando se a tem, porque as ordens que Jeová deu a Aarão (Levítico, 13, na Vulgata), convenhamos, são muito fortes, verdadeiramente assustadoras: O l

Diários Confinados 2 – O que o governo Bolsonaro devia fazer e não faz?

A taxa de mortalidade por Covid 19, na Alemanha, apresenta dados interessantes: 0,3%, contra 3,6% na França e 8?5% na Itália. Por que essa diferença? São três países europeus e vizinhos, economias desenvolvidas e estados com condições técnicas bem mais elevadas eu a grande maioria dos países do mundo. O que explica, então a diferença? O que explica a “exceção” alemã? Venho lendo os jornais e os documentos públicos sobre o coronavirus desses países –  quer dizer, não da Alemanha, porque não tenho alemão para isso – tentando entender a diferença. Atenção: não sou profissional da área da saúde, então o que anoto aqui são apenas dados de leitura e observações, e não considerações científicas. E o que percebo são algumas variáveis interessantes: 1°) a média de idade das pessoas contagiadas é mais jovem na Alemanha de que em outros países: 47 anos na Alemanha; 2°) a decisão política imediata do estado alemão de testar, massivamente, a população – hoje num ritmo de 160 mil testes por s

Diários confinados 1: Simétricas aparências

  A imagem da organizada fila de supermercado (imagem 1), na cidade italiana de Prato, faz pensar no Golconda, o quadro de Magritte, pintado em 1953 (imagem 2). O respeito às regras de distanciamento pessoal, que passaram a ser necessárias em todo o mundo em função da epidemia, parecem encontrar uma representação profética no quadro de Magritte.  A chuva de homens retratada no quadro pode ser lida como uma alegoria da representação. Os homenzinhos pintados podem parecer iguais - afinal se vestem da mesma maneira e têm semelhanças físicas, mas eles não são iguais. Olhem para os rostos e perceberão. Representações enganam, mentem.  Tal como, aliás, a riqueza dos diamantes produzidos durante séculos na cidade de Golkonda, na Índia, que dá nome ao quadro. Essa pintura parece ser uma alegoria crítica do individualismo, do isolamento, mas Magritte não deixou explicações - afinal, era um surrealista... Livre de imposições interpretativas e confinado em casa nestes tempos de

Novo corte de bolsas pode paralisar pesquisa científica

Estou indignado com o novo corte de bolsas de estudo feito pela Capes. O mesmo governo que corta bolsas, corta o Bolsa Família, estimula demissões e cortes salariais, transfere bilhões aos planos de saúde, companhias aéreas, bancos e empresários. Isso acontece justamente num momento em que a pesquisa científica se torna vital na luta contra a epidemia do coronavírus. Mais um exemplo da incapacidade desse governo continuar governando, em meio a uma situação de crise nacional.  Só o departamento de Pneumologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul teve um corte de 80% de suas bolsas. Pneumonologia! É preciso exigir a revogação imediata da portaria 34/2020 da CAPES. Pesquisa se faz com bolsas e investimento!  Para quem não sabe, antes dessa portaria os programas de pós-graduação poderiam perder, este ano, no máximo 10% das bolsas que possuíam. O novo corte eleva essa porcentagem para 50% nos programas nota 3, 40% naqueles de nota 4, 35% nos de nota 5, 30% nos de nota 6 e 20% no

Mascarados fazendo necropolítica

O pior não é a evidente incompetência do governo Bolsonaro. O pior não é a sua inoperabilidade. O pior de tudo é a lógica de tudo o que ele faz: a lógica da morte, a necropolítica. Conscientemente ou tacitamente, esse governo trabalha para exterminar o inimigo. Ou tudo aquilo que identifica como inimigo: adversários, os pobres, a educação, a ciência, o Nordeste, a Amazônia... necropolítica.   Ao que estamos vendo, para além de não ter ideia alguma sobre o que deva ser governar o Brasil em meio à crise do novo corona vírus, essa gente está percebendo o vírus, consciente ou tacitamente, como uma oportunidade. Uma oportunidade de extermínio, de morte, de aniquilação de tudo o que identifica como inimigo.  Só isso explica a inação, a apatia, o descaso e o descompromisso com uma ação política mais contundente e efetiva de combate à epidemia.  A entrevista coletiva de ontem comprova o que estou dizendo aqui: mascarados com uma atitude irresponsável e canalha de construir pautas de int

Entrevista ridícula, governo incompetente. Essa gente não tem a menor ideia do que deve fazer: nem com o país e nem com a máscara.

A UFPA face ao novo corona vírus

Não sou da área da saúde e nem gestor público, mas me parece que a UFPA, instituição onde trabalho, comete um erro em determinar, por hora, “manter as atividades acadêmicas regulares”. Pressupõe-se que isso deva ser feito enquanto não surgirem casos da doença COVID-19 na instituição. Isso foi estabelecido pelo Grupo de Trabalho sobre o novo coronavírus, justamente estabelecido. Bom, acompanhei atentamente o debate ocorrido na Itália nas últimas semanas, inclusive desde o surg imento da contaminação nesse país e pude ver que a estratégia local era a de manter a vida normal até que o país ingressasse no estágio da contaminação comunitária, com isolamentos pontuais dos focos contaminados. Na televisão e nos jornais, os especialistas locais sugeriam o contrário: que os governos e instituições se antecipassem, reduzindo drasticamente a circulação de pessoas. O resultado é o que vimos, o descontrole da contaminação.  Compreendendo que a UFPA é uma comunidade com mais de 60 mil pessoa