Ainda que sincera, soou decepcionante, e até mesmo frustrante, a fala da ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário afirmando que o Estado brasileiro não consegue proteger nem 30 dos 165 casos mais urgentes de pessoas ameaçadas de morte no âmbito dos conflitos agrários no pais.
Esses nomes integram uma lista ainda maior, entregue ontem, pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) à ministra, com 1.855 nomes de pessoas que foram ameaçadas em conflitos agrários nos últimos dez anos. Desse total, 207 pessoas receberam ameaças repetidas vezes e, delas, 42 já foram mortas. Os 165 nomes restantes ainda estão vivos e necessitam de proteção.
A vulnerabilidade dessas pessoas é evidente e é preciso dizer que, por meio do seu ativismo, elas estão na linha de frente de questões do mais puro interesse nacional, como a da sustentabilidade da floresta amazônica; da valorização da agricultura familiar frente ao poder corruptivo do agronegócio; da defesa dos direitos indígenas, quilombolas e ribeirinhos; do enfrentamento da grilagem e da defesa do direito à terra e ao direito de trabalhar e produzir.
O ativismo dessas pessoas constitui um patrimônio simbólico para o país. Elas estão onde o Estado não está, fazendo o que o Estado não consegue fazer. Protegê-las é uma questão maior, porque, numa dimensão, elas concretizam o que muitos brasileiros desejam e não podem fazer e, em outra dimensão, elas representam, para o mundo todo, o que o país deseja ter – e não tem – de comprometimento e seriedade para com seus biomas naturais e para com a garantia dos direitos civis.
Sabe-se bem dos fatores limitadores do Estado. São necessários oito homens para fazer a escolta de cada pessoa ameaçada. Compreende-se também a dimensão estrutural dos problemas agrários, particularmente dos problemas fundiários. Porfim, nenhum brasileiro desconhece a precariedade do seu sistema judicial. Porém, não é razoável vir a público para dizer que o Estado não tem condições de enfrentar o problema.
E parece ser uma insensibilidade, no mínimo, fazer uma afirmação dessas na semana seguinte a quatro assassinatos de ativistas na Amazônia. Ademais de soar incongruente esse nada-fazer-nada-poder logo após a divulgação de que o Planalto instalou uma comissão para enfrentar os conflitos agrários na região. Então a comissão não se propõe a nada? Não decide, não serve para nada?
Como se sabe, a escolta policial para os jurados de morte é apenas uma medida parcial. O problema não se resume a isso. Ocorre que a declaração de Maria do Rosário simplifica essa dimensão da questão e desloca o assunto para um ponto que não é central no debate sobre os conflitos agrários.
O que nós, da Amazônia, queremos saber é bem mais que isso. Queremos saber que medidas o Governo Federal pretende adotar para ampliar a ação das defensorias agrárias na região? Que medidas tomará para fazer com que os estados acelerem seus Zoneamentos Econômicos e Ecológicos, condição para uma radiografia mais precisa dos espaços rurais? Que políticas de desenvolvimento territorial pretende implementar nas áreas mais conflitivas do espaço rural brasileiro? Que soluções pode oferecer para dirimir as lacunas da justiça nos territórios rurais amazônicos? E, sim, porque isso também é essencial, que solução adotará para proteger a vida desses ativistas que, em última instância, fazem o que o Estado deixa de fazer?
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