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Sobre o BBB, seus estupros, os nossos de cada dia, a irresponsabilidade da mídia e as concessões públicas.

Não tenho nada de novo a acrescentar ao que tem sido dito sobre o acontecido no BBB, o assunto espantoso do caso de estupro, mas gostaria de rassaltar um dos elementos do caso: a (ir) responsabilidade da Rede Globo em:

1. Tratar o assunto como se não fosse nada: "o amor é lindo", disse Pedro Bial.

2. Expulsar o estuprador (Daniel) sem explicar ao público o episódio: "Você está sendo expulso porque violou as regras do programa", mais uma vez disse Pedro Bial. Ora, ele violou mais que isso... ou não?

3. Não alertar a moça violada sobre o que lhe aconteceu, pois ela tem o direito de saber o que lhe aconteceu, como o país inteiro está debatendo e apreciando a questão, sobretudo, tem direito de denunciar seu agressor. A Globo vai privá-la desse direito?

A Rede Globo parece desejar lançar toda a culpa do caso ao tal Daniel.

Isso é leviano e mesquinho.

Trata-se de uma concessão pública, como muitos têm lembrado. Por essa razão, a Globo deve ter responsabilidades para com o público.

O rumor em torno do assunto ganhou o país e o caso será, certamente, debatido por especialistas, jornalistas e pelo público em geral.

O aspecto que me parece mais interessante diz respeito ao papel da emissora no assunto. A Globo administrou pessimamente a situação, evidenciando seu compromisso como o " show" que não deve parar e com o lucro - que, também, ele, por conseguinte, não deve parar.

Bial foi sucinto ao explicar ao público a saída de Daniel, repetiu o comunicado da emissora, afirmando que Daniel adotara "grave comportamento inadequado", mas não mencionou o motivo, justificando apenas que a decisão foi tomada de forma cuidadosa após criteriosa análise da direção do programa.

Pouco. Coisa de quem quer evitar (outros) escândalos. Ofensivamente pouco.

Neste momento muitos questionam sua concessão. 

No blog Tijolaço, do deputado federal Brizola Neto, por exemplo, colocou as coisas da seguinte forma:
Ninguém tem nada a ver com o que fazem pessoas maiores fazem em sua intimidade, de forma consentida, se isso não envolve violência.
Niguém tem nada a ver com o direito de pessoas expressarem opinião ou criação artística, independente de se considerar de bom ou mau gosto.
Outra coisa, bem diferente, é utilizar-se de concessões do poder público, como são os canais de televisão, sobretudo os abertos, para promover, induzir e explorar, com objetivo de lucro, atentados à dignidade da pessoa humana.
(...) O que está em jogo, aqui, é o uso de um meio público dedifusão, cujo uso é regido pela Constituição.
E ainda por lá:
Não basta que, num gesto de cinismo hipócrita, o sr. Pedro Bial venha dizer que o participante está eliminado por “infringir as regras do programa”. Se houve um delito, não é a Globo o tribunal que o julga. Não é uma transgressão contratual, é penal.
Que, além da responsabilização de seu autor, clama pela responsabilização de quem, deliberadamente, produziu todas as cirncunstâncias e meios para isso.
(...)
Tudo o que ela montou, induziu, provocou para lucrar não tem nada a ver com o episódio. Não é a custa de carícias íntimas, exposição física, exploração da sensualidade e favorecimento ao sexo público que ela ganha montanhas de dinheiro.
Como diz o “ministro” Pedro Bial ao emitir a “sentença” global ( veja o vídeo) : o espetáculo tem que continuar. E é o que acontecerá se nossas instituições se acovardarem diante das responsabilidades de quem promove o espetáculo.
Atirar só Daniel aos leões será o máximo da covardia para a inteligência e a justiça nestes país.
Já no artigo, A mídia que estupra, de Ana Flávia Ramos, publicado no blog Tab na Rede, o lado da moçla violada é esclarecido da seguinte forma:
Monique, confinada em um reality show, sem contato com o mundo exterior, não sabe que o Brasil discute seu suposto estupro. Possivelmente violentada enquanto dormia, ela é também “violentada” pela produção do programa, quando esta se nega a informá-la exatamente sobre que está ocorrendo. Omissão grave, já que esta era a equipe a quem a participante confiou sua segurança, ao aceitar participar do programa, um ambiente teoricamente controlado e protegido por regras e parâmetros de bom senso, garantidores, ao menos, da integridade física dos jogadores. Entretanto, a produção se abstém de dizer o que de fato está acontecendo e deixa Monique, mais uma vez, à mercê de seu eventual algoz. Embora ela tenha direito à verdade, ela continua indefesa na escuridão, como a do quarto em que estava na noite de sábado, permanecendo também na insegurança das camas compartilhadas do programa. Daniel, já anteriormente acusado de ter se aproveitado de Mayara, segue ileso pelos corredores da casa e sequer é questionado pelos responsáveis do reality show. Monique parece ser vítima duas vezes.
Há quem diga que é oportunismo - dos que lutam pela democratização da comunicação, vejam só... -  questionar o direito de concessão da Globo em função do caso. O jornalista Paulo Henrique Amorim, no blog Conversa afiada, rebate de pronto:
Quer dizer que em nome da liberdade de imprensa … estupro pode?
Onde é que nós estamos?
As outras redes de televisão aproveitam para bater na Globo - como se elas não fizessem semelhante. O apresentador José Luiz Datena, numa participação ao vivo no programa vespertino de Adriane Galisteu, o Muito Mais, responsabilizou o diretor Boninho e a Globo, diretamente, pelo estupro.

Aliás, a Record, está fazendo uma “cobertura completa” do caso.

Felizmente, também percebemos que Ministério público de São Paulo entrou no caso para apurar o ocorrido e, muito corretamente, também questionou sobre a forma como a Rede Globo informou o público a respeito do ocorrido.

O Governo Federal se posicionou também sobre o assunto. A ministra Iriny Lopes da SPM (Secretaria de Políticas para as Mulheres) enviou na segunda-feira, ofício ao Ministério Público do Rio de Janeiro solicitando a tomada de “providências cabíveis” no caso.

Nina Lemos, por sua vez, respondeu direto ao Bial: "Não, não existe amor no BBB". E hoje à tarde apareceu um delegado, que passou a acompanhar o caso, para dizer, a partir dos depoimentos coletados, que não “houve penetração”. Se não houve estupro, certamente houve abuso. Tal como reza o artigo 271 do código penal.

Para concluir, lembro do que disse o jornalista Nirlando Beirão, em artigo na revista CartaCapital desta semana, ao classificar o BBB é realmente o “império da indigência”:
Aquinhoado por verbas publicitárias milionárias e pela ansiedade do espectador em pagar para ter seu fugaz momento de imperador romano, decretando por telefone ou mensagem de texto a morte ou a salvação dos gladiadores, o BBB chega mais uma vez para reiterar seu papel de usina de trapaças, traições e velhacarias a serviço da indigência de um espetáculo solúvel, lixo reciclado e enlatado made by Endemol.
Enquanto o carnaval não vem, será aquele desfile cotidiano, 24 horas por dia, de muita prótese de silicone, excesso de tatuagens, exagero de protuberâncias, intenso ensaboar masturbatório sob chuveiros indiscretos – e, se alguém notar, em meio àquela torrente de energia libidinal, que neurônios estão sendo acionados, poucos que sejam, é bom avisar o Boninho, o diretor do programa, porque inteligência e raciocínio não fazem bem ao script.






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