Pular para o conteúdo principal

O Grileiro vencerá?

Mais uma investida contra o jornalista paraense Lúcio Flávio Pinto, na infindável batalha que ele trava com aqueles que transformam o bem público em particular.    
O Grileiro vencerá?
Lúcio Flávio Pinto
(11 de fevereiro de 2012)
Como já é do conhecimento público, em 1999 escrevi uma matéria no meu Jornal Pessoal denunciando a grilagem de terras praticada pelo empresário Cecílio do Rego Almeida, dono da Construtora C. R. Almeida, uma das maiores empreiteiras do país, com sede em Curitiba, no Paraná. Embora nascido em Óbidos, no Pará, Cecílio se estabeleceu 40 anos antes no Paraná. Fez fortuna com o uso de métodos truculentos. Nada era obstáculo para a sua vontade.

Sem qualquer inibição, ele recorreu a vários ardis para se apropriar de quase cinco milhões de hectares de terras no rico vale do rio Xingu, no Pará, onde ainda subsiste a maior floresta nativa do Estado, na margem direita do rio Amazonas, além de minérios e outros recursos naturais. Onde também está sendo construída a hidrelétrica de Belo Monte, para ser a maior do país e a terceira do mundo.

Os 5 milhões de hectares já constituem território bastante para abrigar um país, mas a ambição podia levar o empresário a se apossar de área ainda maior, de 7 milhões de hectares, o equivalente a 8% de todo o Pará, o segundo maior Estado da federação brasileira. Se fosse um Estado, a “Ceciliolândia” seria o 21º maior do Brasil.

Em 1996, na condição de cidadão, atendi a um chamado do advogado Carlos Lamarão Corrêa, diretor do Departamento Jurídico do Iterpa (Instituto de Terras do Pará), e o ajudei a preparar uma ação de anulação e cancelamento dos registros das terras usurpadas por C. R. Almeida, com a cumplicidade da titular do cartório de registro de imóveis de Altamira e a ajuda de advogados inescrupulosos. A ação foi recebida pelo juiz da comarca, Torquato de Alencar, e feita a averbação da advertência de que aquelas terras não podiam ser comercializadas, por estarem sub-judice, passíveis de nulidade.

Os herdeiros do grileiro podem continuar na posse e no usufruto da pilhagem, apesar da decisão, porque a grilagem recebeu decisão favorável dos desembargadores João Alberto Paiva e Maria do Céu Cabral Duarte, do Tribunal de Justiça do Estado. Deve-se salientar que essas foram as únicas decisões favoráveis ao grileiro nas instâncias oficiais, que reformaram a deliberação do juiz de Altamira.

Com o acúmulo de informações sobre o estelionato fundiário, os órgãos públicos ligados à questão foram se manifestando e tomando iniciativas para evitar que o golpe se consumasse. A Polícia Federal comprovou a fraude e só não prendeu o empresário porque ele já tinha mais de 70 anos. O próprio poder judiciário estadual, que perdeu a jurisdição sobre o caso, deslocado para a competência da justiça federal, a partir daí, impulsionado pelo Ministério Público Federal, tomando rumo contrário ao pretendido pelo grileiro, interveio no cartório Moreira, de Altamira, e demitiu todos os serventuários que ali trabalhavam, inclusive a escrivã titular, Eugênia de Freitas, por justa causa.

Carlos Lamarão, um repórter da revista Veja (que chegou a ser mantido em cárcere privado pelo empresário e ameaçado fisicamente) e o vereador Eduardo Modesto, de Altamira, processados na comarca de São Paulo por Cecílio Almeida, foram absolvidos pela justiça paulistana. O juiz observou que essas pessoas, ao invés de serem punidas, mereciam era homenagens por estarem defendendo o patrimônio público, ameaçado de passar ilicitamente para as mãos de um particular.

De toda história, eu acabei sendo o único punido. A ação do empreiteiro contra mim, como as demais, foi proposta no foro de São Paulo. Seus advogados sabiam muito bem que a sede da ação era Belém, onde o Jornal Pessoal circula. Eles queriam deslocar a causa por saberem das minhas dificuldades para manter um representante na capital paulista. A juíza que recebeu o processo, a meu pedido, desaforou a ação para Belém, como tinha que ser. Hoje, revendo o que passei nestes 11 anos de jurisdição da justiça do Pará, tenho que lamentar a mala suerte de não ter ficado mesmo em São Paulo, com todas as dificuldades que tivesse para acompanhar a tramitação do feito.

A justiça de São Paulo foi muito mais atenta à defesa da verdade e da integridade de um bem público ameaçada por um autêntico “pirata fundiário”, do que a justiça do Pará, formada por homens públicos, que deviam zelar pela integridade do patrimônio do Estado contra os aventureiros inescrupulosos e vorazes. Esta expressão, “pirata fundiário”, C. R. Almeida considerou ofensiva à sua dignidade moral e as duas instâncias da justiça paraense sacramentaram como crime, passível de indenização, conforme pediu o controverso empreiteiro.

Mesmo tendo provado tudo que afirmei na primeira matéria e nas que a seguiram, diante da gravidade do tema, fui condenado, graças a outro ardil, montado para que um juiz substituto, em interinidade de fim de semana, pela ausência circunstancial da titular da 1ª vara cível de Belém, sem as condições processuais para sentenciar uma ação de 400 páginas, me condenasse a pagar ao grileiro indenização de 8 mil reais (em valores de então, a serem dramaticamente majorados até a execução da sentença), por ofensa moral.

A sentença foi confirmada pelo tribunal, embora a ação tenha sido abandonada desde que Cecílio do Rego Almeida morreu, em agosto de 2008; mesmo que seus sucessores ou herdeiros não se tenham habilitado; mesmo que o advogado, que continuou a atuar nos autos, não dispusesse de um novo contrato para legalizar sua função; mesmo que o tribunal, várias vezes alertado por mim sobre a deserção, tenha ignorado minhas petições; mesmo que, obrigado a extinguir a minha punibilidade, arquivando o processo, haja finalmente aberto prazo para a habilitação da parte ativa, que ganhou novo prazo depois de perder o primeiro; mesmo que a relatora, confrontada com a argüição da sua suspeição, que suscitei, diante de sua gravosa parcialidade, tenha simplesmente dado um “embargo de gaveta” ao pedido, que lhe incumbia responder de imediato, aceitando-o ou o rejeitando, suspendendo o processo e afastando-se da causa; mesmo que tudo que aleguei ou requeri tenha sido negado, para, ao final, a condenação ser confirmada, num escabroso crime político perpetrado pela maioria dos desembargadores do Tribunal de Justiça do Pará que atuaram no meu caso, certamente inconformados com críticas e denúncias que tenho feito sobre o TJE nos últimos anos, nenhuma delas desmentida, a maioria delas também completamente ignorada pelos magistrados citados nos artigos. Ao invés de cumprir as obrigações de sua função pública, eles preferem apostar na omissão e na desmemoria da população. E no acerto de contas com o jornalista incômodo.

Depois de enfrentar todas as dificuldades possíveis, meus recursos finalmente subiram a Brasília em dezembro do ano passado. O recurso especial seguiu para o presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Ari Pargendler, graças ao agravo de instrumento que impetrei (o Tribunal do Pará rejeitou o primeiro agravo; sobre o segundo já nada mais podia fazer).

Mas o presidente do STJ, em despacho deste dia 7, disponibilizado no dia 10 e a ser publicado no Diário da Justiça do dia 13, negou seguimento ao recurso especial. Alegou erros formais na formação do agravo: “falta cópia do inteiro teor do acórdão recorrido, do inteiro teor do acórdão proferido nos embargos de declaração e do comprovante do pagamento das custas do recurso especial e do porte de retorno e remessa dos autos”.

Recentemente, a justiça brasileira impôs novas regras para o recebimento de agravos, exigindo dos recorrentes muita atenção na formação do instrumento, tantos são os documentos cobrados e as suas características. Podem funcionar como uma armadilha fatal, quando não são atendidas as normas formais do preparo.

A falta de todos os documentos apontada pelo presidente do STJ me causou enorme surpresa. Participei pessoalmente da reunião dos documentos e do pagamento das despesas necessárias, junto com minha advogada, que é também minha prima e atua na questão gratuitamente (ou pró-bono, como preferem os profissionais). Não tenho dinheiro para sustentar uma representação desse porte. Muito menos para arcar com a indenização que me foi imputada, mais uma, na sucessão de processos abertos contra mim pelos que, sendo poderosos, pretendem me calar, por incomodá-los ou prejudicar seus interesses, frequentemente alimentados pelo saque ao patrimônio público.

Desde 1992 já fui processado 33 vezes. Nenhum dos autores dessas ações teve interesse em me mandar uma carta, no exercício de seu legítimo direito de defesa. OJornal Pessoal publica todas as cartas que lhe são enviadas, mesmo as ofensivas, na íntegra. Também não publicaram matérias contestando as minhas ou, por qualquer via, estabelecendo um debate público, por serem públicos todos os temas por mim abordados. Foram diretamente à justiça, certos de contarem com a cumplicidade daquele tipo de toga que a valente ministra Eliana Calmon, Corregedora Nacional de Justiça, disse esconderem bandidos, para me atar a essa rocha de suplícios, que, às vezes, me faz sentir no papel de um Prometeu amazônico.

Não por coincidência, fui processado pelos desembargadores João Alberto Paiva e Maria do Céu Duarte, o primeiro tendo como seu advogado um ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral, à frente de uma das mais conceituadas bancas jurídicas do Distrito Federal. O ex-ministro José Eduardo Alckmin, que também advogava para a C. R. Almeida, veio a Belém para participar de uma audiência que durou cinco minutos. Mas impressionou pela sua presença.



O madeireiro Wandeir dos Reis Costa também me processou. Ele funcionou como fiel depositário de milhares de árvores extraídas ilegalmente da Terra do Meio, que o Ibama apreendeu em Altamira. Embora se declarasse pobre, ele se ofereceu para serrar, embalar e estocar a madeira enquanto não fosse decidido o seu destino. Destino, aliás, antecipado pelo extravio de toras mantidas em confinamento no próprio rio Xingu. Uma sórdida história de mais um ato de pirataria aos recursos naturais da Amazônia, bem disfarçado.

Apesar de todas essas ações e do martírio que elas criaram na minha vida nestes últimos 20 anos, mantenho meu compromisso com a verdade, com o interesse público e com uma melhor sorte para a querida Amazônia, onde nasci. Não gostaria que meus filhos e netos (e todos os filhos e netos do Brasil) se deparassem com espetáculos tão degradantes, como ver milhares de toras de madeira de lei, incluindo o mogno, ameaçado de ser extinto nas florestas nativas amazônicas, nas quais era abundante, sendo arrastadas em jangadas pelos rios por piratas fundiários, como o extinto Cecílio do Rego Almeida. Depois de ter sofrido todo tipo de violência, inclusive a agressão física, sei o que me espera. Mas não desistirei de fazer aquilo que me compete: jornalismo. Algo que os poderes, sobretudo o judiciário do Pará, querem ver extinto, se não puder ser domesticado conforme os interesses dos donos da voz pública.

Vamos tentar examinar o processo e recorrer, sabendo das nossas dificuldades para funcionar na justiça superior de Brasília, onde, como regra, minhas causas sempre foram vencedoras até aqui, mesmo sem representação legal junto aos tribunais do Distrito Federal.

Decidi escrever esta nota não para pressionar alguém nem para extrapolar dos meus direitos. Decisão judicial cumpre-se ou dela se recorre. Se tantos erros formais foram realmente cometidos no preparo do agravo, o que me surpreendeu e chocou, paciência: vou pagar por um erro que impedirá o julgador de apreciar todo meu extenso e profundo direito, demonstrado à exaustão nas centenas de páginas dos autos do processo. Terei que ir atrás da solidariedade dos meus leitores e dos que me apoiam para enfrentar mais um momento difícil na minha carreira de jornalista, com quase meio século de duração. Espero contar com a atenção das pessoas que ainda não desistiram de se empenhar por um país decente. 
Belém (PA), 11 de fevereiro de 2012
LÚCIO FLÁVIO PINTO
Editor do Jornal Pessoal

Comentários

Anônimo disse…
Na realidade vc está comprando uma briga idiota, pois o povo vota no menos pior, e no que mente melhor... Defender a Dilma, e estar na situação...tenha vergonha...Político no Brasil só é bom de uma maneira: M O R T O!!!!Quero ver vc, hipocrita, publicar isso!!!
hupomnemata disse…
Ao Anônimo da 8h51:
Não sei se sua desilusão é real ou apenas uma reprodução vazia de um discurso de desilusão que tenta desqualificar a política. O fato, porém, é que sem não tentarmos fazer uma política melhor, seja por meio da atividade parlamentar, seja por meio da crítica pública, como fazemos aqui neste blog, a sociedade não avança. Se vc quiser chamar a isto de hipocrisia, fique à vontade, mas vc se engana.

Postagens mais visitadas deste blog

Eleições para a reitoria da UFPA continuam muito mal

O Conselho Universitário (Consun) da UFPA foi repentinamente convocado, ontem, para uma reunião extraordinária que tem por objetivo discutir o processo eleitoral da sucessão do Prof. Carlos Maneschy na Reitoria. Todos sabemos que a razão disso é a renúncia do Reitor para disputar um cargo público – motivo legítimo, sem dúvida alguma, mas que lança a UFPA num momento de turbulência em ano que já está exaustivo em função dos semestres acumulados pela greve. Acho muito interessante quando a universidade fornece quadros para a política. Há experiências boas e más nesse sentido, mas de qualquer forma isso é muito importante e saudável. Penso, igualmente, que o Prof. Maneschy tem condições muito boas para realizar uma disputa de alto nível e, sendo eleito, ser um excelente prefeito ou parlamentar – não estou ainda bem informado a respeito de qual cargo pretende disputar. Não obstante, em minha compreensão, não é correto submeter a agenda da UFPA à agenda de um projeto específico. A de...

O enfeudamento da UFPA

O processo eleitoral da UFPA apenas começou mas já conseguimos perceber como alguns vícios da vida política brasileira adentraram na academia. Um deles é uma derivação curiosa do velho estamentismo que, em outros níveis da vida nacional, produziu também o coronelismo: uma espécie de territorialização da Academia. Dizendo de outra maneira, um enfeudamento dos espaços. Por exemplo: “A faculdade ‘tal’ fechou com A!” “O núcleo ‘tal’ fechou com B!” “Nós, aqui, devemos seguir o professor ‘tal’, que está à frente das negociações…” Negociações… Feitas em nome dos interesses locais e em contraprestação dos interesses totais de algum candidato à reitoria. Há muito se sabe que há feudos acadêmicos na universidade pública e que aqui e ali há figuras rebarbativas empoleiradas em tronos sem magestade, dando ordens e se prestando a rituais de beija-mão. De vez em quando uma dessas figuras é deposta e o escândalo se faz. Mas não é disso que estou falando: falo menos do feudo e mais do enf...

UFPA: A estranha convocação do Conselho Universitário em dia de paralização

A Reitoria da UFPA marcou para hoje, dia de paralização nacional de servidores da educação superior, uma reunião do Consun – o Conselho Universitário, seu orgão decisório mais imporante – para discutir a questão fundamental do processo sucessório na Reitoria da instituição. Desde cedo os portões estavam fechados e só se podia entrar no campus a pé. Todas as aulas haviam sido suspensas. Além disso, passamos três dias sem água no campus do Guamá, com banheiros impestados e sem alimentação no restaurante universitário. Considerando a grave situação de violência experimentada (ainda maior, evidentemente, quando a universidade está vazia), expressão, dentre outros fatos, por três dias de arrastões consecutivos no terminal de ônibus do campus – ontem a noite com disparos de arma de fogo – e, ainda, numa situação caótica de higiene, desde que o contrato com a empresa privada que fazia a limpeza da instituição foi revisto, essa conjuntura portões fechados / falta de água / segurança , por s...