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As exigências das 12 terras indígenas para liberar Belo Monte

Antes de tudo, o texto abaixo mostra como a sociedade nacional brasileira ainda não consegue compreender seus povos indígenas.

Do Valor Econômico:


Amarok, Hilux, L 200, F 4.000, caminhões, carros de passeio, ônibus, motos, barcos, contas gordas no banco e mais 1,3 mil cabeças de gado – de preferência, 500 delas da raça Nelore. O Valor teve acesso às listas de pedidos que as tribos indígenas apresentaram esta semana à diretoria do consórcio Norte Energia para liberar a construção da hidrelétrica de Belo Monte. As reivindicações dão uma boa dimensão do problema que o governo e os empreendedores da usina terão de administrar para convencer os índios que, agora, está na hora de passar a cuidar de suas roças de milho e mandioca, da pesca, das crenças e do artesanato.
O que os índios das 12 terras indígenas localizadas na área de influência de Belo Monte, no Xingu, apresentaram à Norte Energia é uma relação de compras que tem mais de 500 anos de distância daquilo que os empresários e o governo pretendem entregar às aldeias da região, como forma de minimizar os impactos causados pela usina.
O Valor fez uma compilação dos principais pedidos. Somadas as listas, são nada menos que 40 picapes, com o detalhe de que todas devem ter tração nas quatro rodas, direção hidráulica e ar-condicionado. Para lidar com a plantação, as tribos querem 23 tratores de diferentes modelos e mais 20 barcos com cobertura e motor para poder transitar pelo Xingu. Ainda no quesito transporte, enumeram a necessidade de 12 micro-ônibus com capacidade de 20 pessoas em casa, nove ambulâncias e três motos. Para receber aeronaves, três aldeias exigem a construção de pistas de pouso asfaltadas. Todas cobram estradas devidamente pavimentar até Altamira, principal município da região.
Na moradia, nada de ocas ou palhoça. Os índios pedem 303 casas de alvenaria, todas com banheiro interno, infraestrutura de saneamento e energia elétrica, que deve ser gratuita enquanto durar o empreendimento. A garantia de comunicação entre as aldeias deve ser feita com a instalação de 12 antenas de telefonia celular e internet sem fio, tudo para suportar centenas de computadores portáteis e de mesa que também constam na lista.
A pecuária não ficou de fora da lista. As aldeias pleiteiam quase 1,3 mil cabeças de gado e especificam que 770 delas devem ser de gado leiteiro e 520 da raça Nelore. O lazer também faz parte da relação. Na aldeia Mrotidjam, da terra indígena Xikrin do Bacajá, por exemplo, os índios querem a reforma do campo de futebol gramado, com instalação de iluminação e traves novas no gol, além de 30 freezers.
Finalmente, cobra-se a abertura de uma série de contas bancárias em nome de cada aldeia. Os pedidos de depósito variam entre R$ 3 milhões e R$ 5 milhões para cada uma delas. Em algumas tribos, é exigido o pagamento de três ou quatro salários mínimos por mês para cada família indígena do local, valor a ser pago enquanto a água de Belo Monte for convertida em energia.
Em entrevista ao Valor, Sheyla Yakarepi Juruna, líder da aldeia Boa Vista KM 17, localiza na região, diz que todos os pedidos são justos e que é até pouco em face dos prejuízos que o empreendimento irá causar para o seu povo. “Até hoje o que fizeram foi dar migalhas para o nosso povo. O consórcio e o governo prometeram a ampliação da demarcação de nossa área, mas não fizeram nada. Ninguém está cumprindo com as condicionantes que assumiu”, comenta.
Perguntada sobre a necessidade de tantos carros para transporte, Yakarepi Juruna diz que será a única forma de os índios se locomoveram após a implantação da usina. “O rio vai ficar difícil de navegar em muita parte. É claro que a gente precisa dos carros”, argumenta.
A líder da aldeia Boa Vista KM 17 diz que irá se juntar ao grupo indígena que há seis dias paralisa as obras do canteiro Pimental, uma das frentes de trabalho de Belo Monte. “Tem mais índio chegando. Nós vamos unir o nosso povo. Temos que ser ouvidos.”
Pelos números da Fundação Nacional do Índio (Funai), há cerca de 10 mil índios na região de Altamira que serão atingidos pela hidrelétrica. Nos cálculos da Norte Energia, porém, esse contingente é de 5.500 índios. Amanhã, deve ocorrer uma reunião em Altamira com representantes da Norte Energia e da Casa Civil, com a propósito de por um ponto final no conflito.
“Essa situação nada mais é que a colheita daquilo que o próprio governo plantou”, diz Cleber Buzatto, secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), organização vinculada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). “Foi o governo que cultivou a dependência do índio. A Funai assinou embaixo e deu anuência para Belo Monte contrariando pareceres dos próprios técnicos da fundação. Agora, não sabe o que fazer para resolver o problema.”
O Valor procurou o diretor do Departamento de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável da Funai, Aloysio Guapindaia, para comentar o assunto, mas ele não quis se pronunciar.
A Norte Energia informou que não vai atender as listas de pedidos apresentadas pelos índios. O consórcio alega que trabalha nos detalhes de seu Plano Básico Ambiental (PBA) indígena, o qual foi acertado com a Funai e que, segundo o consórcio, foi objeto de audiências públicas em cada uma das 28 aldeias que habitam a região. Os índios, no entanto, insistem que o PBA não foi discutido e que desconhecem as propostas da empresa. Segundo a empresa, o PBA agrupa um conjunto de 320 ações divididas em dez programas de apoio a serem executados durante cinco anos. O Valor apurou que as medidas devem custar cerca de R$ 250 milhões à Norte Energia.
A empresa garante que o plano passa a valer a partir do mês que vem. Trata-se, basicamente, de um “conjunto de medidas de apoio e fortalecimento da cultura indígena”, segundo os empreendedores. A crise com os índios é que, com o início do PBA, sai de cena a partir de setembro o pagamento mensal de R$ 30 mil que cada aldeia vinha recebendo há dois anos.
Por André Borges | VALOR

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