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Entrando numa fria

Pessoal, este post é para me despedir. Dentro de alguns dias partimos, eu, Marina e Pedro, para Montréal, Canada. Irei fazer meu pós-doutorado. Devemos passar entre 12 e 18 meses, a ver, conforme nos adaptarmos por lá e conforme caminhar meu trabalho. Assim que der retomo do blog. Por hora, os afazeres de viagem e, logo mais, as tarefas da adaptação à nova vida - com os aperreios de alugar casa, sistematizar a vida civil, abrir conta em banco, escola do Pedro, contas de energia, água, aquecimento, telefone,  internet,  etc - demandam tempo, concentração e paciência.

Já chegaremos no inverno, o que, é claro, não é a coisa mais indicada. Afinal, se trata de invernos que vão a -40. E isso não tem jeito. É quase certo que a Marina vai entrar em algum tipo de processo de hibernação. O Pedro, coitado, vai enfrentar os desafios de uma escola nova, mas sei que ele gosta desses desafios, e, bem, ele tem savoir-faire da questão, e está animado, bem treinado no francês, curioso, curtindo cada frio na barriga. Quanto à Gabriela, bem, a pobre não vai... O trabalho a impede. Vai ficar em casa, cuidando de tudo: cães, gatos, peixes, hamsters, plantas normais, aquela samambaia estranha e a planta carnívora que tenta agarrar quem ousa, no escuro da noite, olhar fixamente para ela a menos de dois metros de distância. Mas irá nos visitar muitas vezes.


A pesquisa

Quanto a mim, o pos-doc é um passo importante. Para quê? Para tudo: abrir caminhos, discutir minhas amazônias por lá, ficar com uma pulga atrás da orelha (talvez duas, ou três), escrever como um louco, perder meu tempo, olhar o mundo. Vou trabalhar na Université de Montréal (na foto ao lado), desenvolvendo um projeto de pesquisa que é uma continuação do trabalho que venho desenvolvendo - ou seja, vou trabalhar no conceito de "capital comunicativo", compreendendo as relações entre as práticas sociais ligadas à comunicação e o funcionamento geral, econômico, da sociedade.

Intersubjetividades

Porém, há uma outra dimensão na pesquisa, uma dimensão que mira a experiência acadêmica recente do Canadá e do Québec em particular, que é o debate sobre a experiência social como uma troca hermenêutica entre as pessoas - ou, dizendo de outra forma, a dinâmica comunicativa enquanto processo hermenêutico: a intersubjetividade. Qualquer diz explico melhor, mas isso quer dizer que meu projeto de pesquisa se dá num plano teórico. Tenho trabalhado, preferencialmente, no plano empírico, lidando com populações amazônicas - olhando para a experiência social e, dentro dela, para a intersubjetividade. Esta é a palavra fundamental da minha pesquisa: os processos intersubjetivos de populações amazônicas. E, com isso, a produção dos sentidos, das sensibilidades culturais, identitárias, políticas.

A decisão de partir para o plano teórico do que é a intersubjetividade - latu sensu, a intersubjetividade em geral, humana, e não as experiências intersubjetivas amazônicas, em particular - corresponde à necessidade de avançar na construção de mecanismos analíticos mais sólidos. De avançar na construção de teorias, e não apenas na confirmação de hipóteses oferecidas por outras teorias.

É claro que sempre procurei um fundamento teórico consistente e exploratório para minhas pesquisas - quem estudou comigo sabe disso. Porém, trata-se de uma base teórica construída no ping-pong entre a minha pesquisa empírica e o diálogo com a obra teórica de vários autores. Agora, se trata de ir mais longe, testar novas hipóteses conceituais e por à prova uma dinâmica crítica. Se trata de indagar, à teoria da ação comunicativa de Habermas, o que lhe aporta a hermenêutica crítica de Gadamer. De indagar sobre a dinâmica comunicativa da cultura e sobre a dinâmica cultural da comunicação. De pensar sobre... Bom, veremos depois.

Montreal

Por que vou para Montreal? Bom, em primeiro lugar porque é um centro de excelência, é claro. Está entre as melhores universidades do mundo, etc. 

Além disso, a cidade é um desses pólos culturais efervescentes - bons para trabalhar mas também para viver - com suas quatro grandes universidades - de Montréal, Québec à Montréal, McGill e Concordia - e seus vários centros de pesquisa. 

Ok, há o frio. Os eventuais 40 graus negativos que assombram qualquer brasileiro decente, mas isso não acho tão mau assim. Tem seu lado divertido... acho. 

Por fim, vou para lá porque o Canadá é um espaço bastante aberto para estabelecer parcerias de cooperação científica. No ano passado, por exemplo, passei 40 dias extremamente produtivos na Universidade de Toronto. Sim, a alguém que pergunte por que não Toronto, ou Vancouver, no lugar de Montréal, esclareço que escolhi Montréal, também, além de tudo o que disse, porque lá se fala predominantemente francês, e, levando a família junto, isso é importante: meu filho de 15 anos fala francês, mas não inglês e nessa idade se faz o ensino médio e é preciso estudar direito, como se sabe. Voilà... digamos.


Comentários

Norma Carvalho disse…
Boa viagem, prof. Cuidado para não congelar e retome o blog logo que puder.
Beijins.
Manoel Inácio Mendonça disse…
Bon voyage a tous!
Anônimo disse…
Fábio, muito boa viagem. Parabéns por mais um passo tão importante na carreira e, principalmente, na vida, que sempre se enriquece ainda mais com uma experiência bacana assim.
Beijos pra você, Marina e Pedro
Regina Alves
Adailton disse…
Boa sorte a vcs todos. Bon voyage e bon courage!
Marise Morbach disse…
Ótima viagem queridos: que dê tudo certo por lá, e que eu vá visitá-los, rsrs. Até mais!
Manuel Dutra disse…
Fábio, boa viagem junto com a Marina e Mr. Pedrô... Sei que esse estágio trará grande proveito para ti e para a Amazônia, tão necessitada de ser pensada a partir de novas perspectivas e novos ângulos capazes de propiciarem elementos para uma verdadeira reconstrução da história, e da vida, desta região.
Anônimo disse…
Fabão,
Tenho certeza de que vocês três vão aproveitar muito Montreal. Lembro que uma vez você disse que queria fazer uma expedição até o Yukon (e de trenó) ou coisa assim. Aproveite. Cuidado com os ursos polares. Ah, e que pena da Gabriela ficar aqui, sujeita a essa samambaia estranha que vocês tem e sobretudo a essa planta carnívora (credo!).
Marcelo
Cláudia Aben-Athar disse…
Caros, tudo de bom para vocês e dêem notícias. Fábio, aquelas "crônicas canadenses" que escrevias aqui precisam voltar, oK?
Sara disse…
O problema é que vocês vão acabar pegando aquele sotaque "quebecois" arretado. Ai ai, não vão perder o sotaque parisiense charmoso de vcs.
Samuel Mota disse…
Fábio, Marina, Pedro. Saúde e paz a vcs nesta jornada. Sucesso nesta aldeia globalizada preconizada pelo profeta midiático McLuhan. E que a sua busca teórica tenha o referencial necessário para gerações futuras.
Afinal, McLuhan foi impulsionado a partir do Canadá com a Aldeia global, cujo resultado vivenciamos agora. Sucessos para vcs.

Samuel Mota
Não o conheço mas acompanho o blog há muito e esta notícia de que o conhecimento o leva a outros ares e cultura alegra-nos, como amazônidas, a não nos amedrontarmos diante dos desafios que nos impõe a falta de investimento responsável na educação do nosso Brasil em especial no nosso Pará.
Boa viagem, sucesso nesta trilha da sabedoria.
Leila Márcia disse…
Pensar sonhar e viver é possível em qualquer canto do mundo.Lutadores de todos os países, uní-vos.Prabéns por tua sensibilidade e inteligência.Boa estada pra tio e para toda a tua família.Ah! e reze por nós.
Anônimo disse…
Aí, você partiu pro Canadá e eu fiquei aqui assistindo o nosso líder maior afirmando que não sabe de nada...

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