Algumas
ponderações para entender o que se passa.
Fábio Fonseca de Castro
Lendo o que se tem escrito, ouvindo o que se tem dito, debatendo com o
PT a respeito do movimento que vai tomando as ruas do país, creio que podemos
reunir alguns elementos para tentar, sem
pretensão de explicá-lo, compreendê-lo.
Em primeiro lugar, é preciso compreender que se trata de um fenômeno
social complexo, com muitas camadas, interesses diversos – alguns divergentes –
e com variedade de espectros ideológicos, que vão da esquerda mais radical à
direita mais conservadora. Assim, não é possível reduzí-lo a uma agenda única.
É preciso resistir à tentação de simplificá-lo.
Da mesma forma, é preciso não olhá-lo com uma perspectiva tradicional,
que considera a organização social, exclusivamente, como uma construção
consciente. A sociedade contemporânea produz novos fenômenos agregativos e, com
isso, inventa novas formas para a política. O movimento que estamos vendo não
começou de uma hora para outra. Ele
provém de forças sociais subterrâneas, não necessariamente politizadas e nem
organizadas, que se agregam na construção de um espaço público possível.
Isso não quer dizer que as mobilizações não irão, logo mais, se
reelaborar e se institucionalizar. Parece evidente que uma das suas
consequências será produzir novos fenômenos de liderança e novos discursos para
o uso da política convencional.
As características do movimento.
Feitas essas ressalvas quanto à complexidade e quanto à dimensão
política das manifestações, algumas características podem ser mapeadas:
·
uma insatisfação difusa com a política e
um
sentimento difuso de contestação.
·
um movimento
líquido e de demandas múltiplas
·
um comando
também difuso, com forte horizontalização e com várias expressões políticas
·
uma dinâmica
auto-organizativa, veloz e espontaneamente mobilizado pelas redes sociais.
A agenda do movimento
Como disse acima, é
evidente que não há uma agenda unificada, mas uma superposição de agendas.
Porém há alguns pontos de referência comum, que parecem estar ganhando corpo no
passar dos dias:
·
a luta
contra a corrupção.
·
o repúdio
aos partidos políticos.
·
o elogio do
apartidarismo e do espontaneísmo.
·
a exigência
por transparência no uso dos recursos públicos.
·
investimentos
maiores e de mais qualidade em políticas sociais, particularmente para a
mobilidade urbana, saúde e educação.
De onde ele vem?
Trata-se de um
movimento subterrâneo, invisível, mas que se autoproduz por meio da internet e,
especificamente, das mídias sociais. É preciso perceber que não se trata de um
fenômeno novo. Ele acontece em escala planetária. O Brasil está reproduzindo
padrões de mobilização em curso nas formas contemporâneas de associativismo.
Merece destaque o
Movimento Passe Livre (MPA), que ganhou visibilidade com as agressões
infligidas pela polícia de São Paulo. Embora se recuse a disputar o poder, na
coerência de seu apartidarismo atual, não se trata de um movimento anarquista,
na medida em que reivindica a negociação com o poder público.
Por que ele está acontecendo?
Porque a sociedade
brasileira está experimentando uma crise de representação. Experimentamos um
déficit de representação política, de honestidade e de coerência política, de
democracia e de legitimidade. As instituições políticas – os partidos, o
Congresso, o Executivo e o Judiciário estão desacreditados.
A prática de
manipulação da sociedade pela mídia e pelo jornalismo, bem como a prática de
manipulação da mídia e do jornalismo por figuras públicas que ocupam cargos
importantes, do Supremo às forças policias, contribuem decisivamente para essa
tendência.
Além disso, a
sociedade brasileira passou a conviver, nos últimos anos, com uma ofensiva
significativa do pensamento conservador. Esse pensamento, que pauta o elogio do
apartidarismo e da não-politização do debate público mencionadas acima, tem
contribuído, decisivamente, para a formação ideológica da juventude brasileira
que está nas ruas.
Ao fazê-lo, esse
pensamento conservador não apenas produz uma política incapaz de uma
compreensão histórica da sociedade, como também uma agenda inconsequente e
muitas vezes irresponsável.
E o PT, onde fica?
Experimentamos, no
PT, um impasse político, o “paradoxo petista”. É um fenômeno evidenciado pelo
fato de que as conquistas sociais dos últimos anos vieram acompanhadas por uma
situação, ainda não compreendida pelo Partido, de despolitização da política.
O PT não está
conseguindo fazer face à despolitização em curso da sociedade brasileira.
Institucionalizando-se no poder formal, está abandonando muitas de suas lutas
históricas. Sem formação e sem projeto, a militância se torna passiva. Sem
diálogo, os movimentos sociais se tornam distantes. Há uma desconfiança geral
de que o partido, uma vez no governo, foi cooptado pelos interesses hegemônicos
das elites e pelos interesses de manobra das classes médias.
O centro do problema,
assim, resulta da perda da identidade política do Partido. Em consequência,
percebe-se uma perda dos referenciais discursivos mais caros do PT, justamente
os que conferem essa identidade.
Qual a tendência?
A mobilização das
ruas está em curso e em disputa. Isso poderá significar um retorno conservador,
uma radicalização à direita ou à esquerda, com todas as hipóteses presentes
nesse espectro.
Há grande
possibilidade de que o movimento produza continuidades, institucionais e
não-institucionais, e erupções sociais – notadamente durante a Copa de 2014.
Possivelmente, também procurará pautar o processo eleitoral do próximo ano.
Mas é evidente que a
explosividade – para radicalizar a noção de espontaneidade – dessas
mobilizações, seguem em aberto; com tendências e possibilidades, mas em aberto.
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