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A cidade apócrifa


Fábio Fonseca de Castro


(Homenagem a Belém, no seu 399o aniversário - acreditando que só o que pode salvar a cidade é sua imaginação)

Em 1438 a cidade de Belém localizava-se na Bayonne, e antes disso ela estava no Egito, na Bratislava, a algumas léguas de Jericó, num pedaço católico do rio Mississipi e também no Orinoco e em outros lugares do mundo, suscitando um mistério secular que leva inevitavelmente a Maria, a Iluminada, e ao evangelho apócrifo mais fascinante do mundo, que é o que está nos arquivos do Estado, em São Petesburgo, escrito num grego vital dos tempos de São Jerônimo. Nesse evangelho, Deus rompe o Acordo da Aliança, contraído com os judeus, e põe no mundo uma filha, a Virgem Maria, que gerará o Salvador, a nascer num lugar chamado Bethelem. A nova aliança só será estabelecida quando o Salvador nascer, e não se sabe quando será isso, e tampouco quais serão os seus fundamentos (creio que isto inválida o Decálogo). No mesmo evangelho, Jesus Cristo aparece somente como uma criança levada e dotada de poderes especiais (sobrenaturais), que transforma seus amiguinhos em ovelhas sempre que é expulso das brincadeiras e que mais tarde se faz passar pelo Salvador, para amargamente descobrir, na cruz, que não é o filho de Deus, como pretendia. A vida desse impostor seria uma metáfora do próprio homem, ou então da religião, e é por detrás dessa belíssima metáfora que se escondem os elementos que nos interessam: o ícone da cidade de Bethelem e o ícone de Maria Virgem, dita A Iluminada, que é a filha de Deus e que se encarregará de fazer nascer o Salvador, não necessariamente sendo a sua mãe de carne. Esses dois ícones, quis acreditar um teólogo não menos apócrifo que viveu no Grão-Pará, se repetiriam propiciamente na Bethelem daquele país, porque Maria, a Iluminada, se faria existir no culto gigantesco que é o Círio de outubro e a cidade teria o nome místico tantas vezes repetido em outras cidades pelo mundo. O teólogo a que me referi é Terceiro Paulo, um corcunda que viveu no porão da Sé, na Cidade Velha, e cuja única obra, manuscrita, está escondida no Hospício das Ursulinas, em Moncovo (Asra leu para mim trechos esparsos dessa obra, na nossa quinta investigação pelos labirintos da cidade, que é a mesma que jamais relatarei). Terceiro Paulo é um amador da sua Bethelem, a do Grão-Pará, e quer ver nela a presença de Deus, ainda que seja por mimetismo. Essa forma graciosa de amor aproxima-o de ser um cavalheiro que corteja uma dama eglatina, que tanto faz se é Bethelem ou Maria Virgem. É preciso ter paciência com o sentimento amoroso, sempre impreciso, desses místicos, Acreditei, porém, na sua tese como se ela própria fosse o terceiro elemento da Santíssima Trindade, mas é lógico que todas as suas idéias, bem como o fato de que possamos ter boa vontade para acreditar nelas, são risíveis.

Comentários

morenocris disse…
Caramba, que belo! Fábio, coloque na lateral de seu blog para seguir você by email. Não libere este comentário, por favor. Nada a ver. Apenas foi para parabenizar o seu texto e pedir para abrir seus posts no meu e-mail. Bjs.

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