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O enfeudamento da UFPA

O processo eleitoral da UFPA apenas começou mas já conseguimos perceber como alguns vícios da vida política brasileira adentraram na academia. Um deles é uma derivação curiosa do velho estamentismo que, em outros níveis da vida nacional, produziu também o coronelismo: uma espécie de territorialização da Academia.
Dizendo de outra maneira, um enfeudamento dos espaços. Por exemplo:
“A faculdade ‘tal’ fechou com A!”
“O núcleo ‘tal’ fechou com B!”
“Nós, aqui, devemos seguir o professor ‘tal’, que está à frente das negociações…”
Negociações… Feitas em nome dos interesses locais e em contraprestação dos interesses totais de algum candidato à reitoria. Há muito se sabe que há feudos acadêmicos na universidade pública e que aqui e ali há figuras rebarbativas empoleiradas em tronos sem magestade, dando ordens e se prestando a rituais de beija-mão. De vez em quando uma dessas figuras é deposta e o escândalo se faz. Mas não é disso que estou falando: falo menos do feudo e mais do enfeudamento, do processo de susserania e vassalagem que está territorializando a UFPA.
Ouvi colegas falarem, “nós negociamos juntos e fechamos com A”. E ouvi outros, a respeito de outros, dizerem “eles fecharam com A em troca de X”. O X significa mais espaço: pró-reitorias, apoios, concursos…
Em vez de “coronelismo, enxada e voto” estamos indo de “sucupira, carlos chagas e lattes”. Para quem não conhece, esses são os nomes das plataformas centrais do obscuro mundo da produção acadêmica. Instrumentos. Instrumentos de controle e, em decorrência, símbolos do poder e entrecódigos da barganha.
É claro que isso não expressa toda a realidade do jogo politico. Há gente que está sendo incluído na negociação dos que falam em nome dos grupos sem sequer ter sido escutado. Pois também ouvi:
“Decidiram por mim que eu apoio ‘C’ e até me botaram numa lista de What’s Up!”
Outros, vão se aninhando nos processos alheios por puro receio. Por puro receio de algo que lhes é imponderável, mas que já se assinala como eventual ameaça:
“Eu escolhi ser prudente, nestas eleições. Vou ficar quieto, fingindo que apoio ‘D’. Vou me fingir de morto… Sabe como é, tenho que proteger minha faculdade, meu programa… Depois ele ganha e aí já viu, pode perseguir quem não o apoiou!”.
Esse pensamento, por incrível que pareça, é real. Foi-me dito por um professor – adulto, doutor e vacinado. Vejam a situação: um professor de uma universidade pública se… “fingindo de morto”!
Vejam onde estamos indo parar! Vivemos numa época de receios. Poderia dizer: uma época de medo, mas o termo receio expressa melhor a situação, porque o receio é o medo condicional, o medo eventual. E esse receio também expressa, a seu modo, o enfeudamento em curso da UFPA.
A questão é que essa situação coloca em risco o próprio princípio da autonomia universitária.
Sim, porque autonomia universitária também significa que o debate político numa universidade pública pode – e precisa – ser feito fora de circunstâncias de cooptação, barganha e troca.
Pessoalmente, acho escandaloso que campanhas à Reitoria se prestem a negociar espaços e poder – ou seja, projetos conjunturais, muitas vezes individuais, em troca de apoio e voto.
Pior ainda é ver professores, cientistas, funcionários públicos que deveriam se pautar pelo bem coletivo e que, talvez mais que outros, teriam condições de fazê-lo, participarem de projetos eleitorais que estão baseados nos interesses imediatos de suas faculdades, núcleos, laboratórios e institutos.
Proceder dessa maneira significa trazer para a universidade pública práticas corriqueiras da política brasileira e abrir mão da possibilidade de uma democracia de mais alto impacto em troca das benesses da vassalagem.
E assim os leilões se vão fazendo. Quer dizer, algumas unidades acadêmicas se colocam em leilão. Outras, menos hábeis, apenas se rifam.

Comentários

Anônimo disse…
A UFPA está involuindo. Nos últimos anos presenciamos uma crise no seu sistema de representação, cada vez mais os conselhos acadêmicos têm menos função deliberativa e mais função apenas consultiva, senão mesmo de apenas referendar as decisões já tomadas pela Reitoria e pelas direções de unidade. Você concorda com essa ideia?

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